Por Manusse
Manuela[1]
Parte I
O
mundo da escrita é mundo de vida, assim como não se vive fora de si ou se vive
por ninguém, também não se escreve fora de si ou se escreve por ninguém. Quem
vive, vive por si e com outros, mas nunca vive por outros, também quem escreve,
escreve por si e nunca por outros; o que ao menos pode fazer é escrever para os
outros. Ora, começar a escrever é empreender um propósito de vida; é fazer um
pacto com o mundo real, é casar-se com o mundo.
[E]
A alegria do escritor consiste na sua própria escrita; o escritor é fazedor de
vida, portanto, ao dar vida à ideia, aí ele transborda de alegria, pois
alcançou um grande propósito, alegrar duas realidades distintas, sensibilidade
e inteligibilidade.
Por um lado, todo escritor que se afirma ou é
afirmado como tal foi, num dado momento, como uma criança, que gatinhou, tombou
e, por fim, resistiu até não aceitar mais tombos, como os que sofrem as
crianças. Por outro, seria ou é ridículo que os mais velhos exigissem da
criança o que só é possível quando se já é velho [adulto]. Entretanto, não
deixaria de sê-lo se os que hoje são proclamados escritores exigissem mais do que
um aspirante deva [consiga] dar até que se consiga afirmar, ou seja o afirmado
como escritor.
Parte II
Nenhuma
obra literária será eternamente desagradável aos leitores de todas as gerações,
disso estou convencido. A experiência revela-nos factos inauditos, embora não
abarquemos o universal, porque enquanto homens susceptíveis a inevitável
corrupção, somos incapazes disso; todavia, quero crer que do pouco que temos e
da mais ínfima experiência que até agora temos, é que em nenhum momento da
história literária, senão da humanidade, rejeitou-se sequer uma obra literária,
na sua íntegra. Daí que considero como válida a seguinte sentença: Se um dia os
escritores não forem compreendidos por uma dada geração, devem, isso sim,
acreditar que suas obras são ainda de vir a conquistar um grande público
[leitor], não esta geração ou aquela, mas as gerações vindouras.
Diz-se, comummente (e também o digo), que a glória, a
honra do escritor está em fazer valer a sua escrita. Fazer valer a escrita não
é tarefa fácil, porquanto requer dedicação, requer nudez misturada com um pouco
de loucura e requer a embriaguez do espírito. Fazer valer a escrita é lutar
contra a incompreensão e nem sempre as lutas significam vitória. E isso é
demonstrado quando o escritor vai rabiscando o papel branco contra sua vontade,
por vezes o papel recusa-se a ser preenchido e daí a substituição lógica das
ideias e, tudo isso para que, ao fim o papel se renda. Nessa linha, o escritor
torna-se pecador e sem possibilidade de ser redimido. Porque vendo a
fragilidade do papel, nunca se compadece dela, apenas impõe-na segundo os
ditames dos seus [loucos] pensamentos.
Sendo que partilho da mesma ideia sobre a glória do
escritor, diria, se eu fosse como Judas Iscariotes, que o escritor não deve
conformar-se com o insucesso das suas obras, deve, sim, esforçar-se a atingir o
agradável, e o agradável é estar em conexão com os leitores de todas as
gerações. Como
Jesus (histórico) o fez com/perante o Sinédrio.
Se fui contraditório em algumas linhas aqui peço perdão
a quem ler estes parágrafos, não foi minha intenção contradizer-me. Daí que
deva apelar ao leitor que isto é pensamento, e sendo que o pensamento é
distinto da linguagem, acabamos por pensar que dizemos coisas distintas ao
passo que são uma e mesma coisa e ainda por cima com a indesejável incoerência.
Parte III
A
leitura é a condição necessária para escrever. Daí que escrever, em outros
[todos] momentos, implica ler. É sem fundamento e é igualmente inútil quem só
escreve e descura-se de ler (pelo menos o que escreve); é comparável a um
expelir de gazes intestinais que só se dá uma vez e nunca se repete. Portanto,
afirma-se escritor é antes de mais afirmar-se leitor assíduo. Caso contrário,
nem uma nem outra são possíveis, visto que é igualmente impossível fazer
sobrevoar um avião sem asas.
Acusam-me
de ser muito radical, mas se virem as coisas como as vejo, dar-me-eis razão. E
nalgum momento direis: “Ecce Homo”, ou simplesmente, “Eis o Homem”.
[1] Manusse Manuela é
moçambicano, estudante de filosofia em Luanda, Angola. Este artigo é de inteira
responsabilidade do autor e não expressa necessariamente a opinião da
“Kumbukilah”.