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quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Governação: Contexto, Conceitos e Indicadores

O conceito de governação, tratando-se de um conceito social e humano, não tem ainda como vários outros conceitos sociais, uma definição geral e aceite por todos os investigadores ou peritos na área. Quer isto dizer, que a governação, como fundamento preliminar desta dissertação, é um conceito complexo e multifacetado que varia de organismo para organismo, de investigador para investigador, de época para época e de ciência para ciência. Numa outra perspectiva, que não fosse necessariamente administrativa, a governação, por exemplo em relações internacionais ou outra ciência ou ramo, seria diferentemente estudada e definida.

Recentemente, a governação tem ganho um espaço cada vez maior no âmbito das políticas de Cooperação e do Desenvolvimento, entretanto, as primeiras tentativas de conceituar a Governação derivam já de longa data: filósofos gregos como Platão, clássicos como Hobbes, Maquiavel, entre outros, tentaram em sua perspectivas definí-la. O advento de instituições e organizações internacionais voltadas para a salvaguarda da paz e desenvolvimento traz um contexto legal e universal da governação aceite por muitos

A Governação na Lógica do Banco Mundial

O Banco Mundial é uma agência do sistema das Nações Unidas (NU), fundada a 1 de Julho de 1944 por uma conferência de representantes de 44 governos em Bretton Woods, New Hampshire, EUA. O BM é composto por 184 países membros e a sua sede é em Washington DC, EUA. A sua missão inicial era financiar a reconstrução dos países devastados durante a Segunda Guerra Mundial. Actualmente, sua missão principal é a luta contra a pobreza, através de financiamento e empréstimos aos países em desenvolvimento. Seu funcionamento é garantido por quotas definidas e reguladas pelos países membros.
“Em 1992, especialistas e policy makers do BM, conceituaram governação como sendo um dos mecanismos através do qual é feita a gestão dos recursos públicos cujo objectivo último é influenciar o desenvolvimento e crescimento económico.

Baseado nesta perspectiva economicista, a Boa Governação seria caracterizado pela existência de instituições e regras que assegurassem o desenvolvimento da capacidade humana e institucional através da melhoria da qualidade de sector público; pela accountability e transparência no processo de tomada de decisões”.

De acordo com o site do Banco Mundial, a Boa Governação é entendida como um componente fundamental nos processos de desenvolvimento. Refere-se à forma como as decisões são tomadas e implementadas, sendo constituída por um conjunto de 6 indicadores :
I. Participação dos cidadãos;
II. Respeito pela lei;
III. Transparência;
IV. Orientação para consensos;
V. Equidade e inclusão de todos os grupos;
VI. Efectividade e eficiência e responsabilização.

A definição de 1992 focaliza, quando falamos de governação, em três aspectos pertinentes: o regime político, a capacidade dos governos de formular políticas públicas e a capacidade de implementá-las.

A Governação na Lógica da União Europeia

A União Europeia é uma comunidade supranacional económica e política de 27 estados-membros estabelecida após a assinatura do Tratado de Maastricht em 7 de Fevereiro de 1992 pelos doze primeiros países da antiga Comunidade Económica Europeia, mas muitos aspectos desta união já existiam desde a década de 50. A União tem sedes em Bruxelas, Luxemburgo e Estrasburgo.

A União Europeia tem muitas facetas, sendo as mais importantes o mercado único europeu (uma união aduaneira), uma moeda única (o euro, adoptado por 15 dos 27 estados membros) e políticas agrícolas, de pescas, comercial e de transportes comuns. A União Europeia desenvolve também várias iniciativas para a coordenação das actividades judiciais e de defesa dos Estados Membros.

A União Europeia joga um importante papel internacional. Os Estados fundadores da Comunidade Europeia assinam com as suas antigas colónias africanas, em 1963, uma convenção que garante a estas últimas certas vantagens comerciais e ajudas financeiras. A Convenção de Lomé, que se seguiu à Convenção de Iaundé, aplica-se actualmente a setenta países da África, das Caraíbas e do Pacífico, tornando a União Europeia a maior fonte de ajuda pública ao desenvolvimento. A cooperação estendeu-se igualmente, sob outras formas, à maior parte dos países da Ásia e da América Latina.

Para a União Europeia (2000), a Governação reproduz um ambiente num contexto político e institucional que preserva os direitos humanos e se rege pelos princípios democráticos e a observância das leis (rule of law).

Para a União Europeia, os indicadores principais da governação resumem-se em:
1) Transparência;
2) Gestão responsável dos recursos humanos, naturais e económicos.
Os indicadores da EU devem conduzir ao propósito de um equilibrado e sustentável desenvolvimento.

A Governação na Lógica da NEPAD

NEPAD (New Partnership for África's Development) – Nova Parceria para o Desenvolvimento da África, foi criada no dia 23 de Outubro de 2001, em Abuja. Ela consiste numa série de propostas de politicas e programas sobre como o continente pode se livrar do peso da pobreza e subdesenvolvimento.

O documento da NEPAD propõe três iniciativas para criar condições para o desenvolvimento sustentável. Estas iniciativas são:
 Iniciativa da Paz, Segurança e Governação Politica;
 Iniciativa Económica e Governação Corporativa Conjunta;
 Abordagens Sub-regionais e regionais para o desenvolvimento;

Para a NEPAD, governação é um processo de tomada de decisão e o processo pelo qual as decisões são implementadas. Deste modo, na lógica da NEPAD, a boa governação envolve os seguintes indicadores:
• Participação;
• Accountability;
• Responsabilidade;
• Transparência;
• Instituições efectivas e eficientes;
• A observância das leis;
• Consenso.

A Governação na Lógica do PNUD

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento é o órgão da Nações Unidas (NU) que tem por mandato promover o desenvolvimento e eliminar a pobreza no mundo. Entre outras actividades, o PNUD produz relatórios e estudos sobre o desenvolvimento humano sustentável e as condições de vida das populações, bem como executa projectos que contribuam para melhorar essas condições de vida, nos 166 países onde possui representação. É conhecido por elaborar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), bem como por ser o organismo internacional que coordena o trabalho das demais agências, fundos e programas das Nações Unidas.

Para o PNUD (1992), a “governação traduz o processo de participação, transparência, e responsabilização no exercício da autoridade política e administrativa, devendo ter a fim a promoção do estado de direito”.
Para este organismo existem três elementos essenciais para suportar o desenvolvimento humano: i) o Estado ao criar um ambiente político e legal propício à observância das leis; ii) o sector privado ao gerar emprego e rendimentos; e iii) a sociedade ao facilitar a interacção social.
Na lógica do PNUD, os indicadores chaves da boa governação são:
a) A participação pública;
b) A observância das leis;
c) A responsabilidade (accountability);

Para a definição de 2002, a governação democrática explicita eficientes instituições e uma favorável economia e ambiente politico necessário para o crescimento económico e efectivo funcionamento dos serviços públicos, adicionado à política de liberdade, direitos humanos e a remoção da discriminação como objectivos centrais.

Principais Diferenças

Terminada esta parte do trabalho, podemos verificar que cada organização possui um enfoque diferenciado do que é governação, apesar de no entanto apresentarem certas características ou indicadores que lhes são comuns. A accountability é um destes indicadores quase obrigatório. Essas diferenças conceptuais não incentivam um distanciamento entre as organizações, mas as aproxima na tentativa de conciliar e redigir uma governação “tipo-ideal”, porque a transformação das sociedades ditou a modificação do conceito segundo a necessidade sócio-cultural de cada uma delas de ser governada.

 O BM considera a governação no âmbito dos Estados, assim como às empresas privadas e às organizações não governamentais. Basicamente, a boa governação é tida como “gestão desenvolvida” (1992) e “ a experiência do BM” (1994), ao considerar as áreas da administração pública e do sector público em particular, que deve ser caracterizado pela responsabilidade, dispositivos legais, informação e transparência.

 A UE preocupa-se na sua mais nova acepção de governação na questão da não incorporação do conceito nas suas próprias reflexões e práticas de cooperação para o desenvolvimento. Quer isto dizer que para além da democracia, direitos humanos, participação e Estado de Direito, quando se fala governação para a EU, surge imediatamente a necessidade de uma maior transparência na Cooperação para o Desenvolvimento, pública e privada, que permitam aos cidadãos europeus e dos países em desenvolvimento conhecerem os critérios e as formas de atribuição e de gestão dos fundos da Cooperação para o Desenvolvimento.

 A NEPAD concede bastante importância no processo da governação, segundo a AfriMAP, ao sector da justiça e o Estado de direito (, incluindo a polícia, as prisões e os sistemas tradicionais da justiça), Participação política (transparência ao mecanismo pelo qual se legitima a um pequeno grupo de indivíduos a tomar decisões em nome dos outros cidadãos dum determinado país) e Prestação de serviços públicos (promover o funcionamento efectivo do sector público nos países africanos, e existência de mecanismos que reduzem as oportunidades de corrupção, quer pelos funcionários públicos quer pelos líderes políticos).

 O PNUD peca ao conceituar segundo LEFTWICH por idealizar a democracia como a base institucional e político para a boa governação, no sentido em que declara que a democracia solidifica e torna-se sustentável por si só. Para o conceito do PNUD, “a boa governação é sinónima de formas efectivas democráticas de governação. A promoção da igualdade, a tolerância, a mobilização dos recursos para o desenvolvimento do país é alguns dos atributos desta democracia. Num estado de boa governação, os sistemas são participativos, o que implica que todos membros das instituições governativas tem voz para a tomada de decisão, esta é o fundamento da legitimidade do sistema democrático.”

O Contexto Moçambicano
Vejamos o exemplo, se dois indivíduos estão em litígio, será que o Estado providencia os meios necessários para a resolução do problema a ponto de se evitar o recurso à violência pelos litigantes?

Os períodos pelos quais o nosso país passou caracterizaram-se pela aceleração dos processos de transformação de uma sociedade, onde os elementos de conflitos intrínsecos, combinados com factores externos, produziram dinâmicas globais assentes em desequilíbrios de diferentes naturezas que se reforçam mutuamente.

Senegal, África do Sul, Moçambique e Ghana foram os primeiros países a serem abrangidos pelo AfriMAP. Estes países rubricaram e submeteram-se ao MARP (Mecanismo Africano de Revisão de Pares) no âmbito do NEPAD. Seria muito fácil dizer que Moçambique identifica-se com a governação e com os indicadores da NEPAD, mas isso não seria verdade. Nem seria verdade que nos identificamos com uma das outras três organizações na totalidade. Assumimos o mesmo ponto de vista logo na introdução do trabalho, quando afirmamos que o conceito varia em conformidade ao contexto:
a. Dado o compromisso global com o BM, PNUD e EU-ACP, diríamos que o país viaja numa tentativa de enquadrar os indicadores destas organizações na sua política de governação;
b. Os indicadores das organizações em estudo complementam-se, o que dá a impressão de que a política e filosofia de governação do país se encontra dentro dos parâmetros destas instituições;
c. A tentativa do governo no que tange o respeito pelos direitos humanos, aplicação, racionalização e simplificação de estruturas e processos democráticos, combate ao abuso do poder, conflitos de interesses e às práticas corruptas e na aplicação efectiva da lei e da ordem, revelam o esforço do governo em fortalecer a sua governação e integrá-la segundo todas as perspectivas, mistificando – a.

Bibliografia

AFRIMAP, Projecto de Monitoria & Advocacia da Governação em África. Open Society Institute
Maputo, Agosto de 2004.

AMARAL, Diogo Freitas de. Curso de Direito Administrativo. Almedina. Coimbra, 1987.

Barnes, J., Ising, J. e Weimer, B. Reintegração, Descentralização e Planificação Distrital em Moçambique. Documento de discussão (versão preliminar). GTZ, Maputo, 1997.

CANHANGA, Nobre de Jesus V. Boa Governação: Contexto, Teoria, Prática e Desafios para Implementação da Monitoria da Acção Administrativa. Maputo: UEM, 2004.

LEFTWICH, Adrian. Stats of Development on the Primacy of Politics in Development.

UNDP. Poverty Alleviation and Sustainable Development: Goals in Conflict. Relatório, 1992.

Paginas da web consultados :

www.worldbank.org
www.undp.org.
www.nepad.org
www.ue.org

http://pt.wikipedia.org/wiki/Uniao_europeia.
http://pt.wikipedia.org/wiki/New_Partnership_for_Africas_Development
http://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_das_Nacoes _Unidas_para_o_Desenvolvimento
http://pt.wikipedia.org/wiki/Banco_Mundial"

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