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quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Indivíduo & Sociedade


ENSAIO SÓCIO-ANTROPOLÓGICO SOBRE A POSSIBILIDADE DE EXISTÊNCIA DE CASTAS EM MOÇAMBIQUE (1)

Para Louis Dumont, as castas, a prior podem ser vistas como sendo um exemplo de hierarquia e de desigualdade construída, e, um pesquisador munido de um manancial teórico-metodológico da sociologia (menos radical), pode até desejar a destruição dessa instituição. As castas não podem ser compreendidas quando olhadas com base num modelo previamente concebido ou quando julgadas tomando como base os valores do investigador.

Dumont começa por criticar a abordagem sociológica. Para ele a melhor compreensão do sistema de castas na índia só é possível penetrando na sua ideologia e não com o uso de ideias de um tipo de sociedade diferente. Vê a sociologia como sendo parte integrante da vida moderna, que para olhar o homem parte do pressuposto de que ele é produto da sociedade, com valores e direitos idênticos aos outros. Isto é, ignora as particularidades individuais.

Essa ideia de olhar o homem (singular) como sendo plural, por seu turno vai desembocar na maneira de conceber a sociedade, vista como tendo primazia sobre o indivíduo. Essa perspectiva faz com que o sistema de castas seja percebido como sendo estratificante, porque a sociologia tem como pressuposto a existência de igualitarismo na sociedade.

Por essa razão, para Dumont, a Sociologia, por ser avesso à ideia de individualismo, não consegue compreender o que é indivíduo. O indivíduo não é identificado pela sociedade, porque ele sozinho é um valor. Este autor, reconhece que no tempo remoto os indivíduos estavam muito ligados `a sociedade, mas nas sociedades modernas não existem razões para se pensar nesses moldes, pois para este autor: “ontologicamente a sociedade não existe mais, ela é apenas um dado irredutível ao qual se pede em nada contrariar as exigências de igualdade e liberdade.” (Dumont, 1992:57) o indivíduo não está submetido às regras sociais.

Discute, também, a questão de igualdade. Para ele, a concepção moderna do homem como indivíduo, conduz à ideia de que esse mesmo indivíduo é livre e igual aos outros, como defendeu Rousseau no seu trabalho sobre o contracto social. A liberdade de Rousseau é definida como norma politica, ao passo que a de Tocqueville é aristocrática e restritiva.

Para Tocquevile (citado por Dumont), como acontece nos EUA, a política e a religião deviam combinar para conferir a liberdade ao individuo, não para a alienação de um ao outro, mas sim como valores que em conjunto emanam no indivíduo. Dumont traz o pensamento de Tocqueville, porque acredita que ele contribui para compreender as sociedades hierárquicas a partir das igualitárias.

Debruçando-se sobre hierarquia, diz que o sistema de castas não merece um olhar desdenhoso. Invoca, por exemplo Talcott Parsons, que defende a ideia de que a hierarquia age como um sistema avaliativo das acções dos homens. A partir do momento em que o indivíduo assume seus valores, está entrar em hierarquia. Isto é: nem sempre a hierararquia diz existência de poder, pois é isso que acontece no caso indiano.

Hierarquia, conceitualizado por Dumont, é: princípio de gradação dos elementos de um conjunto em relação ao conjunto (pp 118) No caso da índia, existe a hierararquia tradicional dos quatro varna, a saber: no mais alto, os Brâmanes ou sacerdotes; abaixo deles os Ksahtriyas ou guerreiros; a seguir os Vaishyas (comerciantes) e no fim os Shudras (servidores ou criados).
Para a última categoria nessa hierarquização (Shudras) − explica Dumont: “... Se opõe ao bloco das três primeiras, cujos membros são “duas-vezes-nascidos”, no sentido de que tomam parte na iniciação, segundo nascimento, e na vida religiosa em geral.” (pp 120) mas as divisões continuam, porque os duas-vezes-nascidos, voltam a se dividir em duas partes. Nisso, ainda existe uma especialização, como por exemplo, os Vaishyas são tidos como sendo os criadores de gado e agricultores.

Existe uma relação entre varnas e castas, segundo a teoria clássica os hindus falam com frequência das castas, usando linguagem das varnas e também as duas instituições quase possuem mesmos sistemas estruturais que culminam nos Brâmanes. Outra relação reside no facto de as castas terem uma tendência de repartir em quatro categorias, como referenciei. É por essa razão que para Dumont, com a extinção lenta das varnas, tem se usado as castas como sendo explicadoras para compreender seus valores. Mas apesar de terem semelhanças, são por outro lado diferentes. Por exemplo, nas castas a hereditariedade é tomada com muita importância do que a função, o que não se aplica nos varna.

Mas tanto os varna como as castas, não podem ser compreendidas pela hierarquização teórica de tipo “puro” e “impuro”, e o autor nos demonstra a fragilidade desse pressuposto “... Quando o rei ou um homem de casta real que come carne toma precedência sobre um comerciante ou um agricultor vegetariano, a hierarquia da pureza relativa não é só completada − isso levaria à acomodação − ela é contradita.” (pp 129)

A ideologia tem o seu papel de orientar os indivíduos, mas essa ideologia, não reproduz os aspectos como se os indivíduos não tivessem suas particularidades e manifestações, como defende a teoria sociológica.

Dumont, apoiando-se do trabalho de Risley, demonstra que o sistema de castas está baseado numa série de oposições hierárquicas, por exemplo, entre os Bengala e os Madras. Nos primeiros o resto está dividido em dois: “ aqueles dos quais os Brâmanes aceitam e dos quais não aceitam água.” Por seu turno a primeira categoria se divide por dois “uns são servidos por Brâmanes superiores, os outros apenas por Brâmanes degradados.” (pp 132); nos Madras existe a distinção entre os não poluidores e os poluidores, e, cada um desses volta a se dividir. A teia continua até às mais ínfimas particularidades.

O trabalho de Risley, para Dumont conheceu lacunas, como é o caso de ter acreditado que a hierarquia consistia em uma ordem linear e não ter visto essa ordem como sendo consequência e ou produto de uma oposição hierárquica que depende de situações ou lugares. Nessa ordem de ideias, Dumont cita um outro autor que se debruça no estudo da hierarquia. Marriott, que diz que uma das condições necessárias de uma hierarquia precisa explica-se por existência de um grau elevado de interacção das castas em suas capacidades pertinentes.

De uma forma geral, e em jeito de conclusão, o texto discute questões metodológicas para o estudo do sistema de castas, onde critica a abordagem sociológica que leva ao campo de pesquisa a ideia de primado social sobre o indivíduo, e de igualdade daí que constata existir hierarquia e poder (conexos e inseparáveis) no sistema de castas.

Para refutar essa ideia (num estilo poperiano de falseabilidade), Dumont diz ter visto um intocante (indivíduo de uma categoria, fora das quatro mencionadas num dos parágrafos) que possuía marcas de golpe, por ter passado com sandálias nos pés por um distrito dos marciais. Esse facto, mais do que combater a impureza significava também sujeição. Então, esse é um dos exemplos de existência de poder separado de hierarquia. Isto é, nem sempre que há poder há também hierarquia e o sistema de castas é um dos casos.

O sistema de castas não passa de uma unidade política que conhece diferentes mobilidades dos seus membros e especializações no seu seio, guiadas não tanto pela ideologia, mas também pelas particularidades dos meninos, em que os valores se readaptam ao longo das suas manifestações.


Bibliografia: DUMONT, Louis −1992 [1966] − Homo Hierarquicus: O sistema de Castas e suas implicações. Edusp, Sao Paulo. Pp 49-141