Introdução
“O futuro da democracia” é dividida em
7 (sete) partes ou capítulos, sendo que cada capítulo representa uma aula/seminário
iniciadas em Maio de 1984, nomeadamente: (1) O futuro da democracia; (2)
Democracia representativa e democracia directa; (3) Os vínculos da democracia;
(4) A democracia e o poder invisível; (5) Liberalismo velho e novo; (6)
Contrato e contratualismo no debate actual; e (7) Governo dos homens ou governo
das leis.
Em
síntese, na sua obra Bobbio (segundo as suas próprias palavras)
apresenta sinteticamente as transfigurações da democracia sob o formato de “promessas
não cumpridas” ou de comparação entre a democracia ideal tal
como criada por seus pais instituidores e a democracia real em
que, com maior ou menor participação, devemos viver diariamente.
Capítulo
1: O futuro da democracia
Neste
capítulo introdutor, Bobbio começa por admitir a impossibilidade de ver o
futuro que, para ele, deriva
igualmente do facto de que cada um dos homens desenha no futuro as próprias
pretensões e excitações, enquanto a história avança o seu trajecto alheio
às nossas preocupações, um trajecto na sua concepção, composto por milhões e
milhões de minúsculas acção humanas que ninguém, mesmo o mais potente, nunca
esteve em circunstâncias de apreender numa visão de conjunto que não tenha sido
demasiadamente sintético, e logo, pouco evidente. Por isto que, conclui, as previsões
feitas pelos grandes mestres do pensamento sobre o curso do mundo acabaram por
se revelar, no final das contas, quase sempre falhadas. Por fim, Bobbio
esclarece o objectivo/propósito do seu trabalho, o de fazer algumas
observações sobre o estado da época dos regimes democráticos.
O
autor apresenta igualmente uma definição mínima de democracia, que na verdade é
constituída pelos seguintes elementos, designadamente:
- Atribuição a um elevado número de cidadãos do direito de participar directa ou indirectamente da tomada de decisões colectivas;
- A existência de regras de procedimento como a da maioria (ou, no limite, da unanimidade); e
- É preciso que aqueles que são chamados a decidir ou a eleger os que deverão decidir sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condição de poder seleccionar entre uma e outra.
É
necessário, assevera Bobbio, para que se realize a última condição, que aos
chamados a decidir sejam garantidos os assim denominados direitos de
liberdade, de opinião, de expressão das próprias opiniões, de reunião, de
associação, etc. Consequentemente, disto segue que o estado liberal é o
pressuposto não só histórico mas jurídico do estado democrático. Quer dizer, é
pouco plausível que um estado não liberal possa atestar um correcto exercício
da democracia, e de outra parte é pouco provável que um estado não democrático
seja apto de defender as liberdades elementares.
Adiante,
Bobbio explica que a democracia nasceu de uma concepção individualista
da sociedade, ou seja, da ideia para a qual – diferentemente à concepção
orgânica, influente na idade antiga e na idade média, segundo a qual o todo
precede as partes – a sociedade, qualquer forma de sociedade, e particularmente
a sociedade política, é um resultado artificial da deliberação das pessoas.~
Bobbio
apresenta, por fim, seis (6) promessas não cumpridas da democracia,
nomeadamente: (a) o nascimento da sociedade pluralista; (b) a revanche dos
interesses; (c) o espaço limitado; (d) a derrota do poder oligárquico – nada
ameaça mais matar a democracia que o excesso de democracia; (e) a eliminação
do poder invisível; e (f) a educação para a cidadania.
As
promessas não foram executadas por motivo de obstáculos que não estavam
prenunciados ou que emergiram em consequência das transformações da sociedade
civil. Esses obstáculos são:
- O aumento dos problemas políticos que requerem competências técnicas;
- O ininterrupto engrandecimento do aparato burocrático, de um aparato de poder sistemático hierarquicamente do vértice à base, e logo absolutamente adverso ao processo de poder democrático; e
- O rendimento do sistema democrático como um todo.
Quanto
ao futuro da democracia, a conclusão de Bobbio não é pessimista: o futuro da democracia não é caótico.
Capítulo
2: Democracia representativa e democracia directa
Bobbio
parte da premissa de Jean Jacques Rousseau, quando afirmou que a
soberania não pode ser representada. O autor chama atenção para o
equívoco sobre a diferença entre “democracia representativa” e “estado
parlamentar”.
Bobbio
apresenta o conceito de democracia representativa, que
significa genericamente que as decisões colectivas – as decisões que dizem
respeito à sociedade inteira – são tomadas não directamente por aqueles que
dela fazem parte, mas por pessoas eleitas para este intuito. Assim sendo, o
estado parlamentar é uma aplicação particular, embora relevante do ponto de
vista histórico, do princípio da representação, grosso modo, é
aquele estado no qual é representativo o órgão central ao qual chegam as
reclamações e do qual partem as resoluções colectivas indispensáveis, sendo
este órgão central o parlamento. Em suma, o autor quer dizer que, do mesmo modo
que nem todo estado representativo é um estado parlamentar, o estado
parlamentar pode muito bem não ser uma democracia representativa.
Feitas
as análises, para que exista democracia directa no sentido próprio da palavra
(no sentido em que directo quer dizer que o indivíduo participa ele mesmo nas
deliberações que lhe dizem respeito) é preciso que entre os indivíduos votantes
e a decisão que lhes diz respeito não exista nenhum representante. De qualquer
modo, se a representação por mandato não é propriamente a democracia directa, é
uma estrada interposta entre a democracia representativa e a democracia
directa.
Com
um preceito sumário, pode-se afirmar que num sistema de democracia absoluto, as
duas figuras de democracia são ambas imprescindíveis, mas não são consideradas
em si mesmas, satisfatórias.
Capítulo
3: Os vínculos da democracia
Este
capítulo é consagrado ao estudo dos eventuais novos sujeitos e
para os eventuais novos instrumentos de intervenção, e acima de
tudo, para as regras do jogo com as quais se desenrola a luta
política num determinado contexto histórico. Após uma elaborada abordagem,
Bobbio conclui que permanecendo-se nos termos das regras do jogo,
as vias permissíveis de saída são as que são, e os passos indispensáveis para
concretizá-las são calculáveis, quase, compulsivos. Sair das regras do jogo,
posto que seja acessível, e que não é, mostra-se como algo que não seja
apetecível, pois uma vez fendida a principal destas regras, a das eleições
periódicas, não se sabe onde tudo cessará.
Capítulo
4: A democracia e o poder invisível
Nesta
parte, Bobbio apresenta as dificuldades objectivas em que se encontra uma
correcta aplicação do método democrático, exactamente nas sociedades em que
continua a crescer a exigência de democracia.
O
objectivo das suas observações não é o de fazer uma análise histórica das
várias formas de poder invisível, mas o de confrontar com a realidade o ideal
da democracia como governo do poder visível.
Fazendo
uma abordagem sobre “o governo do poder público em público”, Bobbio considera
que o princípio de que todas as deliberações e mais em geral os actos dos
dirigentes devam ser sabidos pelo povo sempre foi considerado um dos eixos do
regime democrático, definido como o governo directo do povo ou controlado pelo
povo.
Mais
ainda, considera o tema da descentralização compreendida como revalorização do
relevo político da periferia com respeito ao centro. Interpreta o utopia do
governo local como um ideal inspirado no princípio segundo o qual o poder é
tanto mais visível quanto mais próximo está.
Contrariamente,
argumenta, onde o supremo poder é oculto, tende a ser oculto também o
contra-poder. A história de todo regime autocrático e a história da conjura são
duas histórias equidistantes que se referem uma à outra. Onde existe o poder
secreto existe também, quase como seu produto natural, o antipoder igualmente secreto ou sob a forma de conluio, complôs,
conspirações, golpes de estado, tramados nos corredores do palácio imperial, ou
sob a forma de rebeliões, tumultos ou insurreições arranjadas em lugares
intransitáveis e inacessíveis, remotas dos contemplares dos residentes do
palácio, assim como o príncipe age o mais longe possível dos olhares do vulgo.
Então, o poder despótico não apenas encobre para não fazer saber quem é e onde
está, mas propende também a esconder seus reais intentos no instante em que
suas decisões devem tornar-se públicas.
O
confronto entre o modelo ideal do poder visível e a realidade das coisas deve
ser conduzido tendo presente a tendência que toda forma de dominação tem de se
subtrair ao olhar dos dominados escondendo-se e escondendo, através do segredo
e do disfarce. Bobbio conclui que a tendência não mais ruma ao máximo controlo
do poder por parte dos cidadãos, mas ao contrário, rumo ao máximo controlo dos
súbitos por parte de quem detém o poder.
Capítulo
5: O Liberalismo velho e novo
Discute
o liberalismo a partir da reedição da obra clássica do liberalismo como On
Liberty, de John Stuart Mill. Segundo Bobbio, o liberalismo é um movimento
de ideias que passa através de diversos autores diferentes entre si, com Locke,
Montesquieu, Kant, Adam Smith, Humboldt, Constant, John Stuart Mill, Tocqueville.
O liberalismo é, como teoria económica, factor
da economia de mercado; como teoria política, é factor do estado que
governa o menos possível ou, como se diz hoje, do estado mínimo (isto é,
reduzido ao mínimo necessário).
Entretanto,
o liberalismo económico e o político são independentes porque a teoria dos
limites do poder do estado não se refere apenas à intervenção na esfera
económica, mas se estende à esfera espiritual ou ético-religiosa.
Deste
ponto de vista, diz Bobbio, o estado liberal é também um estado laico, quer
dizer, um estado que não se reconhece com uma destinada confissão religiosa
(nem com uma determinada concepção filosófico-política, como, por exemplo, o
marxismo-leninismo), e isto mesmo quando se considere que um estado pode ser
laico, isto é, agnóstico em matéria religiosa e filosófica, apesar de ser
intervencionista em matéria económica.
Enfim,
o duplo processo de formação do estado liberal pode ser descrito, de um lado,
como emancipação do poder político do poder religioso (estado laico) e, de
outro, como emancipação do poder económico do poder político (estado do livre
mercado). Através do primeiro processo de emancipação, o estado deixa de ser o
braço secular da igreja; através do segundo, torna-se o braço secular da
burguesia mercantil e empresarial. O estado liberal é o estado que permitiu a
perda do monopólio do poder ideológico, através da concessão dos direitos
civis, entre os quais sobretudo do direito à liberdade religiosa e de opinião
política, e a perda do monopólio do poder económico, através da concessão da
liberdade económica.
Adiante,
Bobbio assume que o estado mínimo insurge-se contra o estado paternalista dos
príncipes reformadores; o estado mínimo é hoje reproposto contra o estado
assistencial, do qual se deplora que reduza o livre cidadão a súbito protegido;
numa palavra, é reproposto contra as novas formas de paternalismo.
Questionando-se
sobre a compatibilidade do liberalismo e democracia, o autor assume que os
indicadores/observações mostram não ser mais totalmente compatíveis, uma vez
que a democracia foi levada às extremas consequências da democracia de massa,
ou melhor, dos partidos de massa, cujo resultado é o estado assistencial.
Na
última parte do capítulo, Bobbio debruça-se sobre um novo contrato
social. Este novo contratualismo moderno descende da caída de uma concepção
holística ou orgânica da sociedade (o todo é superior às partes), nasce da
ideia de que o ponto de partida de todo programa social de libertação é o
sujeito singular com suas paixões (a serem dirigidas ou
domadas), com seus interesses (a serem regulados e
coordenados), com suas necessidades (a serem satisfeitas ou
reprimidas).
A
suposição de que parte o contratualismo moderno é o estado de natureza, um
estado no qual existem apenas sujeitos separados mas dispostos a se agrupar em
sociedade para defender a própria vida e a própria liberdade. Partindo desta
hipótese, a sociedade política torna-se um subterfúgio, um projecto a ser
edificado e reedificado constantemente, um projecto nunca definitivo, a ser
submetido à ininterrupta verificação.
A
contemporaneidade do tema contratualista subordina-se também ao facto de que as
sociedades poliárquicas, como são aquelas em que vivemos, simultaneamente
capitalistas e democráticas, são sociedades nas quais grande parte das
deliberações colectivas é tomada através de transacções que terminam em pactos;
são sociedades, em suma, nas quais o contrato social não é mais uma hipótese
racional, mas uma ferramenta de governo continuamente praticada.
Este
capítulo destaca o neocontratualismo. Para Bobbio, a teoria do estado recente
está toda concentrada na lei como essencial fonte de estandardização das
relações de coexistência, em contraposição à figura do contrato, cuja força
regular está subordinada à da lei, se explícita apenas nos limites de validade
estabelecidos pela lei e, além do mais reaparece, sob a forma de direito pactício, nos casos em que a
soberania do estado singular se choca com a idêntica soberania dos demais
estados.
Numa
sociedade democrática, diz ele, as forças políticas são os partidos ordenados –
preparados acima de tudo para perseguir os votos, para procurar obter o maior
número possível deles. São os partidos que solicitam e obtêm o consenso. Deles
depende a maior ou menor legitimação do sistema político como um todo.
Este
consenso através do voto é uma prestação positiva e, uma prestação positiva
solicita geralmente uma contraprestação. Prestação e contraprestação são os
elementos dos contratos bilaterais. Nestes acordos, a prestação da parte dos
eleitores é o voto, a contraprestação da parte do eleito é uma vantagem (sob a
forma de um bem ou de um serviço) ou a isenção de uma desvantagem.
A
diferença entre a relação que se instaura entre eleitos e eleitores e a relação
que se instaura entre um e outro grupo político revela-se também nas duas
diversas capacidades que o bom político deve ter: na conduta da primeira, bem
mais a do empresário; na da segunda, bem mais a do negociador. As qualidades do
bom empresário são necessárias ao secretário-geral do partido, as do negociador
ao presidente do conselho de ministros.
Ainda
sobre o neocontratualismo, o autor aponta que uma das razões do desaparecimento
das teorias contratualistas, entre o fim do Setecentos e o fim do Oitocentos,
derivou da ideia de que o estado fosse uma coisa elevada demais para poder ser
explicado como o produto artificial de um acordo entre indivíduos. Exactamente
porque a teoria do contrato social se apoia sobre argumentos racionais e está
ligada ao nascimento da democracia (mesmo se nem todas as teorias
contratualistas são democráticas), o seu desaparecimento jamais chegou a ser
total.
No
entanto, quando hoje se fala de neocontratualismo com referência às teorias do
contrato social, deve ficar bem claro, avança Bobbio, que uma coisa é o
problema de uma refundação da sociedade à base do modelo contratualista, outra
coisa é o tema do estilhaçamento do poder central em tantos poderes difusos e
geralmente antagónicos, com o consequente nascimento dos assim chamados
governos parciais e das relações naturalmente de tipo contratual entre uns e
outros.
Em
geral, o neocontratualismo, isto é, a
proposta de um novo pacto social, global e não parcial, de pacificação
geral e de fundação de um novo ordenamento social, uma verdadeira “nova aliança”,
nasce exactamente da constatação da debilidade crónica de que dá provas o poder
público nas sociedades económica e politicamente mais desenvolvidas, ou então –
para usar uma palavra corrente – da crescente ingovernabilidade das
sociedades complexas, remata.
Capítulo
7: Governo dos homens ou governo das leis
Neste
último capítulo, Bobbio procura responder a questão qual o melhor
governo, o das leis ou o dos homens? Ou posto de outra maneira, Bom
governo é aquele em que os governantes são bons porque governam respeitando as
leis ou aquele em que existem boas leis porque os governantes são sábios?
Primeiramente,
Bobbio apresenta o primado da lei, que está fundado sobre o pressuposto de que
os governantes sejam maus, no sentido de que tendem a usar o poder em benefício
próprio. Vice-versa, o primado do homem está fundado sobre o pressuposto do bom
governante, cujo tipo ideal, entre os antigos, era o grande legislador.
Entretanto,
a resposta à questão – diz – por muito tempo predominante no curso dos séculos,
foi em favor da superioridade do governo das leis, que acabou por ser
geralmente negativo e bastante discutido.
Os
critérios com os quais o bom governo foi distinguido do mau governo são
sobretudo dois: o governo para o bem comum distinguido do governo para o
próprio bem; o governo segundo leis estabelecidas – sejam elas as leis naturais
ou divinas, ou as normas de costume ou as leis positivas postas pelos
predecessores e tornadas hábitos do país – distinguido do governo arbitrário,
cujas decisões são tomadas de vez em vez, fora de qualquer regra
pré-constituída. Disto derivam duas figuras distintas mas não dissemelhantes de
governante odioso: o tirano que usa o poder para satisfazer os próprios desejos
ilícitos, de que fala Platão no livro IX da República; e o senhor que
estabelece leis para si mesmo, ou seja, o autocrata no sentido etimológico da
palavra.
A
conclusão em que se depreende o autor, aliás, no que tange a sua
preferência, vai para o governo das leis, não para o governo dos
homens. Segundo Bobbio, o governo das leis celebra actualmente o próprio sucesso
na democracia. E o que é a democracia se não um conjunto de regras (as chamadas
regras do jogo) para a solução dos conflitos sem derramamento de sangue? E em
que consiste o bom governo democrático se não, acima de tudo, no rigoroso
respeito a estas regras? Tomando partido, o autor não tem dúvidas sobre a
resposta à estas questões. E exactamente porque não tem dúvidas, conclui
serenamente que a democracia é o governo das leis por excelência.
Referência
artigo muito bem elaborado. Sintetizou as principais prerrogativas do livro.
ResponderEliminarMuito Bom! Ajudou muito! Parabéns!
ResponderEliminarIrá me ajudar muito na prova! Continue publicando! Parabéns!
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