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domingo, 12 de fevereiro de 2012

Mais um 3 de Fevereiro em ambiente da “Alegoria da Caverna”


O título só por si é esclarecedor, para quem conhece a “Alegoria da Caverna” de Platão mas para algum desconhecedor, discorrerei algumas linhas sobre o assunto. Incluída na sua mais famosa obra “A República”, a “Alegoria da Caverna” é uma imagem em forma de um diálogo entre Sócrates e Glauco. Através dela, Platão discursa sobre a condição de escuridão do homem, mostrando a visão de mundo do ignorante, uma vez que ele vive de senso comum, daquilo que os seus órgãos sensitivos percebem, quando tudo aquilo que ele apreende (vê, ouve, sente, cheira) é manipulado, estandardizado, por homens iguais a si. Em síntese, a caverna é tão fechada e escura que o homem não tem um juízo verdadeiro sobre tudo o que ele trancadinho recebe do exterior. A caverna é o mundo em que o homem vive, e enquanto ele não se libertar, difícil será reconhecer a realidade da aparência.

Voltemos à “vaca fria”: O dia dos heróis nacionais foi dignamente festejado pelo partido FRELIMO (como se de uma festa privada se tratasse) em toda vastidão do território pátrio. O 3 de Fevereiro representa para todo o moçambicano (de qualquer canto do mundo), a memória daqueles que dedicaram as suas vidas, o seu suor, o seu trabalho, para a edificação de um “Moçambique melhor”; não nasceram heróis, nasceram homens normais, construíram-se heróis. A essa altura, o leitor que ainda não atinou o meu raciocínio deve estar a questionar-se: “Onde entra o Platão?”

É não fácil encontrar um móbil inseguro para tantos questionamentos, mas a verdade é que sempre nesta semana do ano, oiço as pessoas perguntarem: “Quem são os nossos heróis? Mondlane, Samora, Josina, Mutemba, Mayanga, Kamkomba, …”, “Quantos são?”, “O que eles fizeram?”; agora mais do que nunca, com as ferramentas sociais como “facebook”, “twitter” e etc., esses debates ficam minhocando que parecem não ter um fim. Durante anos acreditou-se que o patrono do dia, Dr. Eduardo Mondlane, havia explodido no seu escritório, quando na realidade não. Existe tanta névoa sobre a morte de Mondlane assim como sobre o seu pensamento. Qual será a verdade sobre a sua morte? A morte de outro herói máximo também enclausura o moçambicano numa “caverna”, as explicações contraditórias e confusas causam sempre uma sensação de que existe uma verdade, e certamente, uma inverdade. Quem conhecerá essa verdade? Serão os rostos destes dois homens eternizados em estátuas, tudo o que devemos saber acerca deles? Adiante, as certezas já não parecem ser “absolutas” em relação ao soldado do “primeiro tiro”, aquele tiro famoso e heróico de Chai, que vinha retratado no antigo livro de história da 4ª classe, em banda desenhada! Será que a história está sendo rescrita? Assusta-me pensar que um dia, tudo aquilo que penso que seja verdade hoje, poderá vir a ser uma farsa amanhã, tal como o homem da caverna de Platão veio a descobrir.

Não existe na praça um só livro ou página de internet que destaque colectivamente os heróis moçambicanos (eu mesmo já procurei), o que torna difícil conhecê-los a todos. Tudo o que se pode encontrar são trabalhos individuais sobre Mondlane, Samora e talvez mais um ou outro, nada mais. Tão pouco os critérios de atribuição do título de herói são claros (heróis de resistência?, da luta armada?, do trabalho?, do povo? ...). Merece Cardoso ou Siba-Siba o título de herói? Que fizeram das suas vidas para serem heroificados? Malangatana é o meu herói, e dos meus amigos também. E daí?

Heróis são heróis. Os heróis são eternos, mesmo que tenham sido vergonhosamente ou injustamente assassinados como Sócrates ou Joana d’Arc, traídos como Jesus Cristo, abandonados como Camões, exilados como Ngungunhana ou tenham tido um ponto fraco como Aquiles. Os heróis duram para sempre. Concluindo, enquanto não tivermos conhecimento “total e completo” sobre quem são os nossos heróis, quantos eles são, o que eles fizeram e quem pode ser herói (sem patranhas, equívocos ou omissões), o três de Fevereiro continuará a ser celebrado em um verdadeiro ambiente da “caverna” de Platão.

Pedro Pereira Lopes
                                                                                                                                
                                                

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