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terça-feira, 3 de abril de 2012

O “Caranguejo” de Stewart Sukuma ou um mini-ensaio sobre o êxito

Oiço o Stewart Sukuma desde os tempos de televisão única em Moçambique, épocas sem “opções” televisivas ou de radiodifusão; sem muitos artistas e tão poucos géneros musicais.

Intérprete carismático, alegre e extrovertido, as suas músicas caíram sempre na língua do povo: “Julieta”, “Sumanga”, “Moçambique”, “Felisminha”, etc., são temas que encerram recordações que para sempre iluminarão um sorriso em um rosto moçambicano. De pulôver ou túnica de capulana, com o cabelo naturalmente desfrisado e uma emoção contagiante, Stewart Sukuma é um dos poucos artistas cujas composições revelam uma apurada responsabilidade relacionada ao conteúdo, à poeticidade e ao ritmo; um orgulho para a pátria mãe. 

O último “single” de Stewart Sukuma, “Caranguejo”, não escapou às exigências do artista. Porém, umas das músicas que, aliás, até leva o mesmo nome, “Caranguejo”, além de divertida, transporta em si uma carga instrutiva e crítica que, particularmente, estampa-me um sorriso e põe-me a pensar.

“Caranguejo” é uma mensagem dirigida aos “caranguejos” e à “sociedade caranguejeira”. Do que se pode perceber da canção, “caranguejo” é todo aquele que, em vez de se preocupar com a sua vida, mete as fuças na vida alheia; aquele que empata, que atrapalha, que aplica rasteiras, que puxa… “Caranguejo” é, acima de tudo, o invejoso, ou como por aí se profere, o “Jealous” – o derrotado, o fracassado, o traidor! Sukuma identifica claramente esses “caranguejos” e questiona-os: “…Porque você stá me puxar?” e ainda “… Porque você quer me tramar?”, e numa atitude de sátira, “…Meus ouvidos morreram para o que tu dizes…”.
Todos os homens enfrentam “caranguejos” nas suas vidas, todos nós os temos. Numa sociedade onde os poços são poucos para tantas bocas, e as coisas conquistam-se: um título, um triunfo, uma condição; a competição e a cobiça fazem com que sobrevenham muito “caranguejos” dispostos à atirar-nos com a lama aos olhos.

É claro que Stewart Sukuma se apercebeu da existência dos “caranguejos” na sociedade. Afinal, o que subsiste ao sujeito quando descobre que o valor do seu trabalho, da sua persuasão, da sua inspiração, é a agressão de outrem? Que os ineptos e os frágeis de espírito não o perdoam o sucesso e, por isso, minam o seu caminho

Stewart Sukuma, como qualquer homem, é produto do meio, é produto da convivência com outros homens. Nenhum homem pode ser indiferente às pedradas e às rasteiras que toma. Como um lutador, Sukuma exterioriza esse sentimento na música. Apela que o deixem em paz, que o deixem crescer, subir, progredir. Sukuma usa a sua música para falar pelos outros e por si.

A fama e o sucesso (o êxito, seja como for) são uma dura realidade. De um ou de outro modo, os ouvidos, os olhos, os sonhos, a vivência do homem estão corrompidos pelo êxito. Vende-se a alma ao êxito. E os “caranguejos”, os “caranguejos” são os fracassados, os dinossauros que temem a mudança, a revolução, que não aceitam a luta e os eventos tal como eles são, isto porque o êxito arrasta uma sombra maldita; aborrece, revolve com as tripas, sujeita a indagar onde residirão as manchas daquele que, ainda recentemente, recebemos amorosamente, apoiamos ou orientamos.

Agora que parei para pensar, questiono-me quantos amigos tivemos: que abraçámos e amparámos, que com eles partilhámos objectos individuais como calças ou sapatos, amigos que presenteámos com soluções… quantos? Quantos que depois de conhecerem o êxito, a fama, esqueceram-se precipitadamente de nós?!
É triste ver que, depois de alcançado o êxito, algumas pessoas se vêem na obrigação de suspeitar da fidelidade ou das intenções do semelhante. Tornam-se seres desesperados e espreitam de pálpebras pesadas os passos de quem quer que seja, como se temessem um salteador, alguém que lhes roube o nome, o momento, o êxito. Na verdade, como disse Fernando Namora, “O mais difícil é amar os outros sem lhes recear os ódios ou lhes exigir recompensas; o difícil não é a luta pelo êxito”, mas o que vem depois, “a luta pela simplicidade”.

PS: Para o azar do “caranguejo”, ele se encaixa perfeitamente, pelas suas características físicas e temperamentais, na metáfora que Stewart Sukuma constrói na música. Entretanto, só um detalhe a observar: o caranguejo tem tenazes (ou presas), e não tentáculos; só moluscos, como os polvos, possuem-nos. É muito incorrecto que Sukuma confira, na sua composição, “tentáculos” ao caranguejo.

Pedro Pereira Lopes

(Imagem: http://pt.dreamstime.com/caranguejo-dos-desenhos-animados-thumb13440453.jpg).

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