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sábado, 3 de outubro de 2009

O REALISMO POLITICO E O NEO-REALISMO (REALISMO ESTRUTURALISTA).



REVISITANDO A LITERATURA SOBRE O REALISMO POLITICO

1. ORIGEM E PERCURSORES

Algumas vezes conceituado Realpolitik ou então Power Politics, o realismo nas relações internacionais inscreve-se numa antiga tradição de pensamento.[1]

A elaboração da teoria realista se dará no século XX a partir dos trabalhos de E.H. Carr (Vinte Anos de Crise) e Hans Morgenthau (A Política entre as Nações), mas a sua base de pensamento nascida Ciência politica possuirá origens antigas.[2]

Costuma-se lembrar, no entanto a importância, para o desenvolvimento dessa escola de pensamento de personalidades como o indiano Kautilya, o chinês Sun Tzu, o grego Tucídides, o florentino Nicolau Maquiavel e o prussiano Carl von Clausewitz. Vários autores concordam que o filósofo inglês Thomas Hobbes foi quem estabeleceu as directrizes para a análise Realista das relações internacionais contemporâneas, chegando ao ponto de alguns deles preferir a denominação Paradigma Hobbesiano.[3]

2. O ESTADO DA NATUREZA E O REALISMO POLÍTICO

Na concepção Hobbesiana, os Estados vivem em estado de natureza, quer dizer, apesar de conviverem e de se relacionarem, entre si, todo o tempo, nem por isso formam uma sociedade de Estados (GONÇALVES, sd:30).

Para Pecequilo (2005), Hobbes parte de uma visão muita clara da vida humana, enfatizando seu aspecto competitivo e conflituoso, ambicioso e predatório. Tais concepções destacam claramente o elemento do poder para os homens, que visam sua sobrevivência, autonomia e aumento de seus ganhos, verificando de que forma este objectivo encontra-se presente na constituição das sociedades domésticas e sua projecção externa.

Para Hobbes, todos os homens nascem iguais, possuindo os mesmos direitos e capacidades similares, buscando garantir por meio de suas acções, sua sobrevivência e seus interesses particulares. Na ausência de limites e controle para definir estas interacções, o estado normal dos homens é definido inicialmente como de competição e de disputa constante, consequentemente, consistindo num cenário de guerra de todos contra todos, no qual cada individuo estará em disputa com outros. A regra é que está guerra tenha sempre vencedores e perdedores, consubstanciando deste modo no que chamamos em teoria de jogos, como um jogo de soma zero.

Conforme Hobbes, essa é uma situação da qual os estados não podem escapar, isso porque, o homem, para livrar-se do medo da morte violenta a que está sujeito, no estado de natureza, firma o pacto social e entra num estado de sociedade, submetendo-se ao poder de Estado (Leviatã). Entretanto, por não ser factível um pacto que erga um poder soberano que submeta os Estados à sua Lei, o homem vive, permanentemente, sob ameaça da guerra entre os Estados. O homem consegue livrar-se da guerra contra todos instituindo a sociedade, mas não consegue livrar-se da permanente possibilidade de haver guerra entre os estados.

3. A FILOSOFIA DO REALISMO POLITICO

Do realismo politico, sobrevém o sistema internacional formado por Estados soberanos, que se relacionarão entre si tendo em conta como sustentáculo esta autonomia e identidade própria, inexistindo qualquer outro agente que possa impor-se a eles. Diferentemente do pacto interno, onde existe a transferência de soberanias, no mundo externo as soberanias já estão estabelecidas e não mais poderiam ser transferidas, prevalecendo o Estado de Natureza original entre os Estados[4] (PECEQUILO, 2005:119).

Cada Estado está liberado e destinado a garantir a sua sobrevivência em um ambiente hostil, frente a adversários semelhantes de mesmos objectivos e que podem ter capacidades maiores, menores ou iguais as suas. Deixados a sua sorte, os Estados não só vêem as guerras e os conflitos como normais, mas como um elemento essencial de sua reprodução e consolidação.

No que concerne a descrição do Sistema Internacional como o centro de uma disputa Hobbesiana pela sobrevivência dos Estados, anarquia e disputa de poder, Edward Carr pode ser enquadrado de forma satisfatória no paradigma realista clássico. Segundo o autor, toda política no sistema internacional é uma política de poder, de modo que nenhuma consideração política sensata e coerente com a realidade pode desconsiderar o poder, este definido como potência militar e económica. Onde não há poder, não há política. E, na relação entre os Estados, o último argumento é sempre a Guerra. Nesta perspectiva, qualquer suposição de que a Força possa ser eliminada das relações internacionais, e substituída por princípios como a harmonia de interesses, opinião pública ou debates internacionais é uma utopia perigosa, que induz os governantes ao erro e o sistema internacional, à instabilidade.[5]

Em suma, como Hans Morgenthau (A Política entre as Nações) definiu, o realismo é uma teoria que explica como a politica internacional realmente é, uma luta interminável pelo poder. Segundo este autor, considerado o pai do realismo, os princípios da teoria seriam:[6]

a) O Realismo acredita na objectividade das leis da política, que são determinadas pela natureza humana;

b) O interesse definido em termos de poder constitui o conceito fundamental da política internacional;

c) Os interesses variam segundo o tempo e o lugar. Eles exprimem o contexto político e cultural do qual são formulados;

d) A política internacional possui suas próprias leis morais, que não se confundem aquelas que regem o comportamento do cidadão;

e) O Realismo recusa a ideia de que uma determinada nação possa revestir suas próprias aspirações e acções com fins morais e universais. A paz só pode existir como resultado da negociação dos diferentes interesses dos Estados;

f) A grande virtude do Realismo está no reconhecimento de que a esfera politica é independente das demais esferas que compõem a vida do homem em sociedade. Ao abordar a politica, nos seus próprios termos, o realismo cria as condições para o correcto entendimento da política.

Segundo Pecequilo, quando os Estados buscam o equilíbrio de poder, não o fazem para obter a paz, mas para prevenir o surgimento de um poder único que subjugue os demais, para garantir sua independência e para preservar o sistema anárquico de soberanias autónomas.


REVISITANDO A LITERATURA SOBRE O PARADIGMA NEO-REALISTA
(REALISMO-ESTRUTURALISTA)

4. ORIGEM E CONCEITO

A Teoria Estruturalista surgiu por volta da década de 50, como um desdobramento dos autores voltados para a Teoria da Burocracia, que tentaram conciliar as teses propostas pela Teoria Clássica e pela Teoria das Relações Humanas. Os autores estruturalistas procuram interrelacionar as organizações com o seu ambiente externo, que é a sociedade maior, ou seja, a sociedade de organizações, caracterizada pela interdependência entre as organizações.

Nas relações Internacionais, o neo-realismo (estruturalismo) surge nos anos 1970, após a revisão do Realismo por Kenneth N. Waltz com a obra Theory of Intenational Politics, que visava conferir à teoria carácter mais positivo e menos normativo.

5. O CONCEITO DE SISTEMA E ESTRUTURA

O núcleo central da teoria de Waltz é a estrutura do sistema internacional. Sistema e Estrutura constituem, assim, os paradigmas de análise da visão de Waltz das relações internacionais; a especificidade metodológica dessa visão.[7]

O sistema é, deste modo, um conjunto de partes coordenadas cuja interacção permite alcançar diversos objectivos, integrando-se numa ideia de totalidade. Várias partes ou conhecimentos isolados e desconexos não compõem um sistema, o qual apenas nasce por integração de várias partes segundo um princípio ordenador comum, por meio do qual se atribui, a cada parte desse todo, uma função e lugar específicos e intermutáveis. Por isso, o objectivo de uma análise sistémica não é a totalidade, mas a generalidade de um fenómeno.[8]

O conceito de estrutura é um tanto quanto abstracto, para defini-lo é necessária a existência de um conjunto de unidades em constante interacção. Entretanto Waltz se abstrai das características comportamentais das unidades, para poder entender como a estrutura do sistema internacional influencia nas acções dos Estados.

O estruturalismo procurará, depois, integrar essa generalidade no conhecimento do todo, mediante a análise das regras que traduzem as relações entre as partes do sistema. Essas regras são finitas e derivam da observação de morfologias elementares. Apreender o todo, através da análise do sistema e suas partes, é identificar as simetrias implícitas, isto é, descrever a forma como um conjunto coerente de relações estáveis se estrutura entre os elementos do todo, o que corresponde à estrutura.

As várias partes do sistema denominam-se subsistemas, o que quer dizer que um conjunto de partes e inter-relações, que se encontram, estrutural e funcionalmente, dentro de um sistema maior, e que possuem características próprias, ainda que semelhantes às do sistema maior em que se integram, são subsistemas. Quando estes subsistemas se transformam no objecto de estudo, deixam de ser subsistemas para passarem a ser sistemas, dentro dos quais se vão encontrar subsistemas.

O objecto de estudo da análise sistémica não é, pois, o universo dos componentes (subsistemas) quanto às inter-relações que entre si estabelecem, e das quais resultam as características do todo. O objecto de estudo da análise sistémica é explicar, avaliar e comparar os principais aspectos de um sistema, que é uma realidade múltipla, de modo a obter-se uma visão geral dessa realidade ou sistema, através da análise dos subsistemas. O estruturalismo estudará, depois, as relações que entre esses subsistemas se estabelecem, isto é, a estrutura que, ligando entre si os subsistemas, forma o sistema considerado. Daí que a análise sistémica e o estruturalismo caminhem juntos e de forma quase indissociável.

O conceito de estrutura está atrelado a uma base organizacional, porém, pelo que foi estudado, o princípio que determina as relações internacionais está na falta de ordem e de organização. “Se a estrutura é um conceito organizacional, os termos estrutura e anarquia parecem estar em contradição.”

A anarquia impõe relações de coordenação entre as unidades de um sistema, e isso implica a sua semelhança.” Entretanto como se pode dizer que os Estados são unidades semelhantes, dada a vasta variedade existente? A semelhança está nos problemas enfrentados pelas unidades em relação ao sistema, porém as mesmas tarefas não implicam nas mesmas capacidades de contornarem tais problemas.




6. A FILOSOFIA E O ARGUMENTO DO NEO-REALISMO (REALISMO ESTRUTURAL)

Waltz sustenta que o objectivo do Estado consiste simplesmente na sobrevivência, e não no poder, como afirmavam os realistas, razão pela qual procura maximizar sua segurança (GONÇALVES, sd:30).

De acordo com Pecequilo, Waltz equipara o Sistema internacional ao mercado económico, onde tal como o mercado é governado pelas forças da procura e da oferta, o Sistema internacional é definido pelos intercâmbios de interesses entre seus membros constitutivos, fornecendo-lhes seu campo de acção. Portanto, na visão neo-estruturalista, o sistema internacional é um sistema uma estrutura dentro da qual se processam as relações internacionais, delimitando os parâmetros da actuação dos agentes e sendo, por esta actuação, transformado. A suposição é circular: os Estados formam o sistema internacional e o sistema internacional forma as acções dos Estados.

As características do realismo-estruturalista resumem-se em três feições básicas:
a) Anarquia, não havendo nenhuma entidade superior aos Estados capaz de ordenar o sistema;

b) A semelhança de funções entre os Estados, que possuem os mesmos objectivos no Sistema, segurança e interesse nacional, podendo realizá-los de acordo com os seus recursos de poder e capacidade de formulação de politicas;

c) Definição relativa dos Estados na estrutura do sistema a partir da diferenciação de seus recursos de poder.

As diferenças entre as estruturas nacionais e internacionais reflectem-se na forma como as unidades de cada sistema definem seus fins e desenvolvem os meios para alcançá-los. A partir daí os Estados buscam a interdependência entre eles, a fim de cooperarem para ganhos mútuos. Porém os ganhos mútuos entre as nações geram uma desconfiança, pois os Estados por terem impulsos imperialistas buscam diminuir a sua dependência em relação a outros Estados e tendem buscar certa autonomia para uma maior auto-suficiência.

Tendo em vista que o sistema internacional é anárquico, Waltz cita que “... os Estados não podem confiar poderes administrativos a uma agência central a não ser que esta seja capaz de proteger os seus Estados clientes. Quanto mais poderosos forem os clientes e quanto maior o poder de cada um deles aparecer como ameaça aos outros, maior tende a ser o poder alojado no centro. Quanto maior o poder do centro, mais forte o incentivo para os Estados se envolverem numa luta pelo seu controle”.[9]

Para o autor, se existe uma teoria eminentemente política tendo em vista um sistema anárquico, seria a teoria da balança de poder. Esta é um resultado causado pelas acções desordenadas dos Estados que tentam manter a estabilidade do sistema sem destruir a multiplicidade dos elementos que o compõe, prevalecendo assim dois pontos importantes. Primeiramente que a ordem seja anárquica e por último que seja povoada por unidades que desejem manter a sua sobrevivência. Continuando com o pensamento de formação de uma teoria sistémica, Waltz adiciona que a balança de poder se impõe sobre as aspirações de poder das nações, fazendo com que assim estas se restrinjam a si próprias, aceitando o sistema da balança de poder, visto como se fosse um jogo onde as regras deveriam ser cumpridas para que fosse mantida a estabilidade internacional e a independência nacional.

O realismo-estruturalista nas palavras de Pecequilo,
“...não considera que os Estados agem no sistema para maximizar poder em nome do interesse nacional definido em termos de poder, mas para assegurar a sua posição e capacidades dentro do sistema em relação aos demais Estados. Os Estados preocupam-se, deste modo, não tanto com seu poder, mas com sua posição relativa e os ganhos e perdas frente à demais parceiros. Basicamente, isto é o que define suas políticas, diminuindo suas possibilidades de cooperação. Todavia, no fundo, tudo ainda será resumido ao poder e como mantê-lo e conquistá-lo”.


7. CONCLUSÃO

O realismo, em sua versão clássica, ainda oferece bons instrumentos para a compreensão do sistema internacional e dos conflitos que ali emergem. Essa pertinência do realismo clássico para o estudo contemporâneo decorre de que os principais paradigmas explicativos ainda se baseiam em suas premissas (anarquia do sistema internacional e o papel do interesse nacional na formulação da política externa) para explicar a realidade.

Waltz nos traz a importância de uma base estruturalista dentro de um Estado e até mesmo de um sistema. Essa estrutura organizacional tem seus pontos positivos, pois facilita na compreensão do sistema internacional como um todo, permite uma maior integração dos povos aumentando a interdependência entre as nações, proporciona maiores oportunidades de cooperação entre Estados e permite também o avanço e o desenvolvimento de novas teorias que consigam explicar de uma melhor forma às Relações Internacionais.


8. BIBLIOGRAFIA


BEDIN, Gilmar A. ET All. (2004). Paradigmas das Relações Internacionais. 2ª Edição Revisada. Editora Unijuí.

CAPÍTULO II – A visão latino-americana das relações internacionais. (sd). [On-line], disponível na Internet, acesso em 12 de Agosto de 2009.

CARDOSO, Rodrigo Bertoglio. (2008). O conceito de soberania nos realistas clássicos: Aron, Morgenthau e Carr. Rio Grande do Sul: UFRGS. PDF.

GONÇALVES, Williams. (sd). Relações Internacionais. Rio Grande do Sul: Universidade Federal Fluminense. Coursepack.

MORGENTHAU, Hans J. (2003). A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Edunb, IPRI; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

PECEQUILO, Cristina S. (2005). Introdução às Relações Internacionais – Temas, actores e visões. Petrópolis: Editora Vozes.

SALES, Camila M. R. (sd). Relações internacionais e política externa do Brasil nos governos e FHC e Lula: uma análise paradigmática. Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, [On-line], disponível na Internet, acesso em 12 de Agosto de 2009. PDF.


www.unibero.edu.br/nucleosuni_neriteo03.asp

[1] Cfr. BEDIN, Gilmar A. et all. (2004). Paradigmas das Relações Internacionais. 2ª Edição Revisada. Editora Unijuí, p.: 12.
[2] PECEQUILO, Cristina S. (2005). Introdução às Relações Internacionais – Temas, actores e visões. Petrópolis: Editora Vozes, p.: 115/116.
[3] GONÇALVES, Williams. (sd). Relações Internacionais. Rio Grande do Sul: Universidade Federal Fluminense. Coursepack, p.: 30.
[4] Cfr com BEDIN, op cit, p.:118/120.
[5] CARDOSO, Rodrigo Bertoglio. (2008). O conceito de soberania nos realistas clássicos: Aron, Morgenthau e Carr. Rio Grande do Sul: UFRGS. PDF, p.: 11.
[6] MORGENTHAU, Hans J. (2003). A política entre as nações: a luta pelo poder e pela paz. Brasília: Edunb, IPRI; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.
[7] www.unibero.edu.br/nucleosuni_neriteo03.asp
[8] CAPÍTULO II – A visão latino-americana das relações internacionais. (sd). [On-line], disponível na Internet, acesso em 12 de Agosto de 2009.
[9] WALTZ, Kenneth N. (1979). Teoria das Relações Internacionais – Capítulos 5 & 6. [On-line], disponível na Internet, acesso em 12 de Agosto de 2009.