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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A Diferença entre Gostar, Paixão e Amor


Publiquei este texto em 2010, e confesso que não contava com a sua repercussão nos meandros do ciberespaço: centenas de perguntas e comentários  pessoas querendo saber mais sobre a sua condição-situação-relação. Afinal, qual é a “Diferença entre gostar, estar apaixonado e amar”? Precisei de coragem para re-lerescrever o texto, invadia-me o medo de reencontrar nestas palavras uma inocência que fosse oposta aos sentimentos que presentemente cultivo. O texto actual apresenta algumas alterações, mas no fundo continua sendo o mesmo. Bem, vamos lá!

De certeza que o leitor está envolvido numa relação, e a sua alegria é tão brilhante que todos os seus amigos podem vê-la no seu ‘status’ do ‘facebook’: casado, numa relação, noivo – e o meu estado preferido – ‘é complicado’. Ai está! Que sentimento cada estado reflecte? Essa é uma pergunta para o caro leitor responder depois de ter consumido o texto que lhe preparei.

A condição evolutiva do Homem não lhe permite perceber um amor sublime e pleno (acontece, mas é raro). Também está claro que as palavras são mal interpretadas, devido à falta de discernimento espiritual ou até mesmo intelectual (embora não necessariamente útil), o que gera uma tamanha confusão de palavras e sentimentos, e de sentimentos e palavras.

“Eu gosto muito de ti!”

“Gostar” é o dos mais inferiores sentimentos (relativamente ao amor e paixão), mas já é algo. Uma pessoa gosta de outra quando a considera agradável, aprazível. ‘Gostar’ significa sentir prazer e dar-se bem com o outro. Há quem considere ‘gostar’ um quase amor, mas um amor doentio e imperfeito, débil, não afirmado nem decidido. Num livro interessante que li (e que me inspirou para escrever este artigo), uma analogia é utilizada para diferenciar ‘gostar’ do ‘amor’. Assim está: Se tu gostas de morango, só pensas em comê-lo, assim como chocolate, ou aquela roupa que não tiras, sempre queres tê-la vestido; porém, se tu amas o morango, tudo o que vais querer será apenas guardá-lo no lado esquerdo do peito, assim como a roupa ficará conservada com cuidado no guarda-fatos.

Algumas atitudes ou actos caracterizam a pessoa que ‘gosta’, sobretudo: é dominado por um ciúme exagerado, tenta sempre controlar as acções do par, e se puder até os seus pensamentos, exige amor, porém não o tem para transmitir, gosta no presente (e acredita francamente que ama), mas um dia pode vir a tencionar o mal para o parceiro. Vamos lá tentar entender isso no próximo parágrafo.

De acordo com alguns ‘gurus’, o ciúme é a principal característica da pessoa que ‘gosta’ – faz parte da essência do sentimento, da vida. A questão é, ‘será o ciúme saudável?’ Para esses expertises, o ciúme é sinónimo de desconfiança, medo, receio, e propriedade privada, em suma, um sentimento de baixo grau espiritual (umas ideias de Santo Agostinho). Quem tem ciúmes controla porque não-confia, daqui se pode apreender que “um pouco de ciúme numa relação” não é bom e muito menos útil. Contrariamente, o amor é confiança, é um sentimento que pressupõe esperar pacientemente a sua hora, “amor não se exige”, aguarda-se. Então, pedir ‘amor’ não é algo muito conveniente. Quem pede ‘amor’ (“Diz que me amas! Tu amas-me?”) é um ‘pedinte sentimental’, que está vazio de bons sentimentos e deseja encher-se com o ‘amor’ dos outros. Ora, uma das piores qualidades disfarçadas no fundo do ‘gostar’ é a vingança (pode crer), que é chefiada pelo grande orientador do mal: o ódio, o sentimento oposto ao amor. Depois do ‘gostar’, o ‘desgostar’, a aversão – pelo simples motivo de ser trocado (a) – pode originar uma sucessão de atitudes que se denomina perseguição obsessiva. Então, caro leitor, como pode ver, ‘gostar’ é sinónimo de insegurança, imaturidade, ciúme, desejo de propriedade, comoção negativa. Diferentemente, o amor não maltrata, não castiga, não inveja – e tudo isso por uma única e simples razão – porque no amor não há tempo nem espaço para o ódio.

“Estou apaixonado por ti!”

Já dizia ‘Palavra de Condão’, ‘amor’ e ‘paixão’ são sentimentos distintos se interpretarmos ‘paixão’ como um forte desejo que pretendemos satisfazer e ‘amor’ como um interesse sincero por uma outra pessoa. ‘Paixão’ é um sentimento profundo (assim como o ‘amor’), afectivo e violento. É quase um ‘amor’ ardente, porém é a admiração instantânea firmada em bases não estáveis, ora física ora pela posição socioeconómica que a pessoa distinguida desfruta. A ‘paixão’ é o muito confuso “amor à primeira vista”. Na verdade, não existe ‘amor à primeira vista’, é mesmo ‘paixão’, e acontece quando as hormonas humanas encontram alguém cujo odor, imagem e voz desencadeiam de imediato uma resposta química.

A ‘paixão’ invade a mente como uma irresistível e intensa atracção, muitas vezes pela sensualidade, e como anteriormente referi, em forma duma descarga bioquímica que carrega pelo organismo humano uma mescla de adrenalina e outras essências secretas, que motivam uma desordem embriagante e nos deixa ‘bêbados’. Como este sentimento não tem uma ligação com a verdade, cai e desaparece com a mesma velocidade e intensidade com que apareceu. A ‘paixão’ não resiste ao tempo, pois não tem um alicerce duradoiro (físico, títulos e riquezas). Entretanto, pode a ‘paixão’ tornar-se no ‘amor’, mas numa relação estável como o ‘amor’, são as referências culturais e sociais que fazem a diferença.

Numa tentativa de caracterizar a ‘paixão’ pode-se dizer que quem está apaixonado não sente ‘amor’, pois ‘paixão’ não se sente, vive-se. A ‘paixão’ representa também a cegueira, (já se sabe de onde vem a expressão “cego de amor”, mas o correcto seria “cego de paixão”), enquanto o ‘amor’ torna lúcido. A ‘paixão’ é também caracterizada pelo sentimento de propriedade, tal como no ‘gostar’.

Concluindo, a ‘paixão’ traduz-se num desejo, no fogo, em algo poderoso e grandioso. Pode-se confundir com o ‘amor’, ou até mesmo ‘gostar’, mas a ‘paixão’ é efémera e geralmente não vira ódio, embora que ao findar da mágica, a recuperação se torne difícil e (clinicamente) desastrosa. Generalizando, a ‘paixão’ é uma doença (a mais deliciosa de todas) e representa uma intoxicação do cérebro.

“Eu te amo!”

O ‘amor’ também envolve hormonas e neurotransmissores que influenciam o cérebro, mas diferentemente dos outros sentimentos, o ‘amor’ tem a qualidade de ser o último estado de relacionamento afectivo entre duas pessoas. O ‘amor’ é o sentimento que nos impele para o objecto dos nossos desejos, e por vezes gera um conflito entre os nossos reflexos e as nossas reflexões, pois o ser deixa de estar em sim para estar no outro. O ‘amor’ se multiplica quando se divide – já disseram –, o ‘amor’ é despertar aquele a quem amamos para toda a grandeza de que são capazes. Filosoficamente falando, o ‘amor’ é a promoção-empoderamento do outro em toda a sua plenitude, universalidade, e de um modo incondicional, desinteressado (o único interesse é a própria pessoa). Só existe ‘amor’ quando não existe autoridade.

Teoricamente (segundo Susan Hendrick e Clyde Hendrick) o ‘amor’ é dividido em 6 grupos ou ‘lógicas’. O primeiro tipo de ‘amor’ é o ‘Eros’, é o erroneamente conceituado ‘amor platónico’, o ‘amor’ romântico dos poetas. O ‘Eros’ compreende uma forte atracção física e desejo sexual, é incontrolável, intenso e irracional (isso para mim é ‘paixão’). O segundo é ‘Ágape’, é o ‘amor’ generoso, que se sente feliz mesmo desprezado ou não correspondido. ‘Mania’ é o terceiro tipo, é o ‘amor’ obsessivo e ciumento (seria também outra classificação da ‘paixão’), parece uma montanha russa e pode ser um verdadeiro inferno. O quarto tem como nome ‘Ludus’, é o ‘amor’ brincalhão, sem compromissos e altamente promíscuo. O quinto é ‘Storge’, é o ‘amor’ movido pela confiança, pela amizade, sem motivos sexuais. O que mais alto fala são os valores ou princípios partilhados. O último tipo é o ‘Pragma’, é aquele que avalia e visualiza apenas o momento e a necessidade temporária em termos de ‘custo-benefício’ (classifico isso como a ‘paixão matemática’).

Amar pode parecer complicado, porque realmente é complicado. Quem ama sabe que o ‘amor’ não se encontra no primeiro olhar – sintonia espiritual –, o ‘amor’ verdadeiro só entra em campo a cada dia de alquimia produzida a partir desse encontro. Quem ama dá ‘amor’ sem perder, porque ele já é em si ‘amor’: para amar é preciso “ser-se amor”. Quem ama sabe entregar e jamais pensa em receber, pois o ‘amor’ não é um investimento que se faz numa pessoa. Resumindo, quem ama vê o sexo como complemento do ‘amor’, ama o outro como um todo, ama acima de tudo a felicidade do parceiro, ama sem ser amado – sem pedir ‘amor’ –, despreza seu medo de dizer «eu te amo», e acima de tudo ama em liberdade e não aprisiona.

Amar é uma sensação maravilhosa, sem dúvidas, assim como saber que somos amados, e é por isso que é importante dizer sempre aquela frase simples e poderosa de apenas ‘7’ letras! Vamos terminar isso poeticamente: “amar é admirar com o coração, admirar é amar com o cérebro”.

Já me esquecia da questão inicial. Caro leitor, qual é o sentimento que solda o vínculo emocional que tem com o seu parceiro?

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