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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Megaprojectos vs Desenvolvimento em Moçambique (breve análise do caso da Mozal)


Conceito e Características Económicas dos Megaprojectos[1]

Megaprojectos são actividades de investimento e produção com características especiais. Basicamente são resultantes de investimentos estrangeiros, expressão que traduz a aplicação de fundos ou capitais estrangeiros em Moçambique.

As características principais de megaprojectos são dadas por Castel-Branco:
  1. A sua dimensão é definida pelos montantes de investimento (acima de US$ 500 milhões) e o seu impacto na produção e comércio, é enorme;
  2. Os megaprojectos são geralmente intensivos em capital e, portanto, não geram emprego directo proporcional ao seu peso no investimento, produção e comércio;
  3. São geralmente concentrados em torno de actividades mineiras e energéticas – carvão e Moatize, gás de Pande e Temane, areais minerais de Moma e Chibuto, Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), e a Mozal (intensiva em energia), são apenas alguns exemplos;
  4. São estruturantes das dinâmicas fundamentais de acumulação e reprodução económica em Moçambique por causa do seu peso no investimento privado, na produção e no comércio;
  5. Os megaprojectos são área quase exclusiva de intervenção de grandes empresas multinacionais, por causa dos elevadíssimos custos, das qualificações e especialização requeridas, da magnitude, das condições competitivas e especialização dos mercados fornecedores e consumidores, geralmente dominados por oligopólios e monopólios;
  6. Os custos de insucesso (ou sunk costs) são altíssimos por causa da dimensão e complexidade destes investimentos. Deste modo, estes empreendimentos são pouco sensíveis a incentivos de curto prazo ou de ocasião, e muito sensíveis às estratégias corporativas globais, dinâmicas dos mercados, condições logísticas e de infra-estruturas, acesso barato e seguro a recursos produtivos e custos do capital.

As Causas de Investimento em Moçambique

Mohomed coloca a seguinte questão: “Sabido que África é o menor recipiente de investimento estrangeiro, como é que Moçambique consegue um pouco do fluxo de IDE que tem vindo para África? A resposta à esta questão pode ser resumida nos seguintes pontos:
  • devido à estabilidade política e à confiança que os investidores estrangeiros depositam no sistema de governação do País;
  • devido à existência do mercado não somente nacional bem como da região (SADC) e mundial (Moçambique é membro da OMC e de outras organizações multilaterais e países com que faz o comércio);
  • devido à disponibilidade de recursos quer naturais bem como humanos, para além do factor terra em grande abundância;
  • devido à definição clara de políticas macro económicas que proporcionaram, nos últimos anos, um crescimento económico e promissor a dois dígitos como acima referidos.

Afigura-se importante referir que no caso concreto do Estado Moçambicano, nunca se confundiu a sua posição de accionista – nas empresas ainda por serem privatizadas – com o poder político e regulador. Sempre se conseguiu, de forma inequívoca, separar as funções de produção das de regulação, mesmo quando o Estado operava como produtor monopolista, i.e., quer como concorrente directo e indirecto de empresas privadas.

A Perspectiva Económica dos Megaprojectos

Castel-Branco (2002) – quando analisa o papel dos megaprojectos – assinala uma perspectiva dualista em relação ao desenvolvimento: a) vistos como solução para os problemas de desenvolvimento e vistos como b) a (uma?) causa dos problemas de desenvolvimento.

Vistos como solução para os problemas de desenvolvimento, os megaprojectos permitem: (i) o acesso ao capital – via IDE, sem pôr pressões sobre os alvos do programa de estabilidade macroeconómica de Moçambique; (ii) acesso à tecnologia, capacidade de gestão e força de trabalho qualificada; (iii) acesso à “boas” práticas de organização da produção e de gestão competitivas ao nível dos standards internacionais mais altos; (iv) acesso aos mercados; (v) ligações com a economia nacional; (vi) imagem (marketing) de Moçambique no panorama dos fluxos internacionais de capitais.

Vistos como a (uma?) causa dos problemas de desenvolvimento, os megaprojectos são responsáveis, designadamente: (i) pela falta de ligações com a economia; (ii) por não criarem emprego em correspondência com a magnitude dos projectos; (iii) por não geram recursos para a economia (não pagam impostos e os lucros são repatriados); (iv) pelo pequeno impacto no alívio da pobreza; (v) por motivarem a competição política e económica com as outras empresas, resultando em desigualdade de tratamento em prejuízo das empresas nacionais e empresas pequenas e médias; (vi) por serem concentrados (em sectores e regiões).

O papel dos Megaprojectos no Desenvolvimento do País

O papel económico dos megaprojectos/IDE (e de quaisquer outros projectos económicos) depende das suas ligações com a economia (como é que a economia como um todo retém a riqueza produzida e a distribui). Sem ligações estabelecidas, a riqueza gerada pertence aos megaprojectos e não à economia.

As ligações entre megaprojectos e a economia podem ser de vária ordem: (i) produtivas (input/output, gerando dinâmicas produtivas novas), (ii) tecnológicas (transferência e absorção de tecnologias, gerando dinâmicas produtivas novas), (iii) emprego (que resulta em rendimento, consumo e crescimento), e (iv) pecuniárias (fiscais, poupança, reservas externas, o que pode resultar em novo investimento e mais consumo, isto é, em expansão económica).

Estudo de Caso: Mozal – Determinantes de Investimentos

A implantação da Mozal em Moçambique teve em consideração (mas sobre esse assunto veja Castel-Branco e Cavadias):
  • O subsídio no custo de energia eléctrica concedido pela ESKOM à Mozal, que permitiu a Mozal reduzir os seus custos de produção e, por outro lado, permitiu expandir a área de operacionalidade da ESKOM[2];
  • O esquema de fornecimento de Energia Eléctrica à Mozal: acordo de fornecimento de energia eléctrica a uma taxa abaixo da taxa normal durante 12 anos;
  • A disponibilidade de infra-estruturas como o porto da Matola, que é largamente usado pela Mozal na importação de matérias-primas e exportação do seu produto, e ainda, relacionado com este aspecto, está associada a recuperação dos custos incorridos pela empresa na reabilitação e/ou construção de infra-estruturas de domínio público;
  • A legislação ambiental, que tornou o país um autêntico paraíso ambiental para o projecto. Além disso, o projecto faz a avaliação do impacto ambiental, a monitoria, o tratamento dos resíduos e a reposição do meio ambiente, consequentemente, não existem grandes constrangimentos e/ou penalizações.

Mozal, breve caracterização

A Mozal é avaliada em 2.4 mil milhões de dólares onde os principais investidores são o grupo BHP-Billiton (66%), IDC (20%), a Mitsubishi (12%) e o Estado Moçambicano (2%). A Mozal produz cerca de 512.000 toneladas/ano de alumínio, cuja matéria-prima (coque, piche de alcatrão de hulha e alumina) é importada da Austrália, Índia, Brasil e África do Sul.

Os principais mercados são a União Europeia e a indústria automobilística asiática. Gerou cerca de 1,000 postos de trabalho directo (650 nacionais), com a expansão em 2000. Em termos de infraestruturas, foram criadas o porto de Matola (novo cais), subestações eléctricas, central Telecom, estradas de acesso, estação de tratamento de esgotos, parques industriais e bairros residenciais.

O papel da Mozal no desenvolvimento de Moçambique

O ano 2000 marca o início de uma nova era com a entrada da Mozal. O crescimento real do PIB de Moçambique atingiu os 7.1% em 2003 e aumentou para 7.8% em 2004 segundo as estimativas, devido principalmente aos dois megaprojectos financiados por investidores estrangeiros: o gasoduto da Sasol e a expansão da fundição de alumínio – Mozal.

Nos últimos cinco anos, a dimensão do sector manufactureiro em Moçambique evoluiu de maneira espectacular com a conclusão da Mozal. Com a expansão da capacidade de instalação para 512 000 toneladas, no final de 2003, a produção aumentou 82% no primeiro semestre de 2004. O alumínio, per si representa 50% da produção manufactureira total.

É importante notar que os gastos do Governo diminuíram em 2004, devido a uma escassez de donativos vindos do exterior. Segundo as estimativas, a procura externa melhorou em 2004 devido ao rápido crescimento das exportações de alumínio e à diminuição das importações de bens de equipamento, após a conclusão da Mozal II e do gasoduto da Sasol.

Os megaprojectos influem consideravelmente sobre a balança comercial. Em 2003, as exportações de alumínio – responsáveis por mais de 50% do total das exportações de bens do país – aumentaram 40%, fazendo com que o valor total das exportações crescesse para 880 milhões de dólares (contra menos de 700 milhões em 2002).

No caso da Mozal, existem quatro aspectos a considerar. Por um lado, o seu contributo para exportações é enorme, e para ganhos líquidos em comércio externo é substancial. Por outro lado, os produtos são poucos e tão concentrados que a economia Moçambicana continuará a ser muito vulnerável a pequenas flutuações no mercado mundial para os produtos primários exportados.

Além disto, as exportações da Mozal não substituem importações e, num certo sentido, aumentam a dependência do investimento relativamente às importações. Podemos dizer que o que importa é o contributo líquido em ganhos comerciais. No entanto, a plena realização do potencial de desenvolvimento, assim como a cautela contra as flutuações dos mercados mundiais, chamam a atenção para a importância de um processo eficiente e selectivo de substituição de importações.

Finalmente, dado o pacote de incentivos em aplicação, os megaprojectos podem repatriar, se o quiserem, todos os seus lucros. Se isto acontecer, o impacto na balança de capitais e estabilidade da moeda pode ser altamente negativo. Portanto, megaprojectos na sua forma corrente não fornecem uma solução completamente satisfatória para este problema.

No caso de Moçambique, o potencial fiscal dos seis megaprojectos mais conhecidos (Mozal, areias minerais de Moma e Chibuto, gás natural, carvão e HCB), se explorado, pode duplicar a receita fiscal do Estado, e isto contribuiria para reduzir a dependência externa, consolidar a soberania política e aumentar a capacidade do Estado de investir na diversificação da base produtiva e de crescimento, no fornecimento de serviços públicos fundamentais e no desenvolvimento de um sistema de protecção, segurança e assistência social.

Portanto, uma política fiscal racional e responsável perante os megaprojectos pode criar as condições para gerar várias outras ligações potenciais: aumentar a disponibilidade de poupança e capacidade de financiar investimento e custos correntes, diversificar a base produtiva, aumentar as possibilidades de promover ligações produtivas e tecnológicas a montante e jusante, gerar mais emprego indirecto em condições dignas e decentes, etc.

Observações finais

Os megaprojectos desempenham um papel importante na economia do país, nomeadamente no equilíbrio da balança de pagamentos. Entretanto alguns críticos consideram que o Estado deve “desactivar” os benefícios fiscais de que estes projectos gozam, para que prestem um apoio real à economia. Estima-se que caso os megaprojectos estivessem sujeitos ao fisco comum, as receitas do Estado cresceriam 60% num curto espaço de tempo.

É igualmente argumentado que o contributo que os megaprojectos fazem para dotar as comunidades com melhores condições de sobrevivência não pode ser subestimado. No entanto, há alguns aspectos a considerar sobre estes contributos. Primeiro, a experiência mostra que em muitos casos este esforço local é mais de compensação (por exemplo, pela deslocação de comunidades para dar lugar ao megaprojecto) do que de desenvolvimento e é mais útil para reforçar a imagem e a influência da empresa do que para resolver. Segundo, a maioria das infraestruturas criadas (escolas, centros de saúde, estradas, bairros residenciais, meios sanitários, etc.) são entregues ao Estado para utilização social, por serem adequadas à prestação de serviços públicos. Isto implica que o orçamento corrente do Estado é posto sob pressão para financiar o professor, o médio, o enfermeiro, os livros, os medicamentos, a manutenção da estrada. Sem esta intervenção do Estado, essas infraestruturas não operam. Como os megaprojectos beneficiam de generosos incentivos fiscais, eles não contribuem como poderiam para o Orçamento do Estado, de modo que não contribuem para o funcionamento das infraestruturas criadas. Assim os projectos comunitários dos megaprojectos podem funcionar como um pau de dois bicos: aparentemente ajudam a comunidade, mas põem pressões insustentáveis sobre as capacidades financeiras do Estado para manter e explorar devidamente estas capacidades. Terceiro, há casos em que as dádivas comunitárias dos megaprojectos são, de facto, se não de jure, uma alternativa a pagar impostos e/ou a engajar a comunidade, de facto, na gestão dos recursos e oportunidades de desenvolvimento locais (Castel-Branco, 2008).

Portanto, a questão do contributo comunitário dos megaprojectos não deve, de modo algum, afectar a análise sobre o seu contributo fiscal para o Estado. Embora se reconheça que os megaprojectos têm colocado “Moçambique no mapa”, o último relatório do FMI sobre o País coloca uma nota de caução na gestão deste tipo de projectos, para “evitar corrupção, minimizar distorções comerciais e de mercado e assegurar benefícios para as gerações futuras” (Savana, 2006).

Em suma, os megaprojectos trazem benefícios mas as falhas do governo no processo da política fiscal, ao tentar regular o mercado, acaba em certo momento distorcendo o mesmo, as externalidades são um mínimo exemplo disto.

Referências

BAfD/OCDE. (2005). Perspectivas Económicas na África – Moçambique.

Bucuane, Aurélio e Mulder, Peter. (2007). A avaliação de opções de um projecto de electricidade sobre megaprojectos em Moçambique. Maputo: Direcção Nacional de Estudos e Análises Políticas, discussion Paper Nº 37P.

Castel-Branco, Carlos Nuno e Cavadias, Elton Jorge. (2009). O Papel dos Megaprojectos na Estabilidade da Carteira Fiscal em Moçambique. Maputo: Autoridade Tributária de Moçambique II Seminário Nacional sobre Execução da Política Fiscal e Aduaneira.

Castel-Branco, Carlos Nuno. (2008). Os Megaprojectos em Moçambique: Que Contributo para a Economia Nacional? Maputo: Fórum da Sociedade Civil sobre Indústria Extractiva – Museu de História Natural. Apresentado em 27 e 28 de Novembro.

Castel-Branco, Carlos Nuno. (2002). Megaprojectos e Estratégia de Desenvolvimento – Notas para um Debate. Maputo: Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE).

Mahomed, Mahomed Rafique Jusob. Tendências do Investimento Privado em Moçambique. Maputo.

Savana (17.02.2006). FMI questiona megaprojectos. Maputo: Savana.



[1] Este artigo foi publicado em 2010 e reflecte o conjunto de informações disponíveis na época. O artigo é de inteira responsabilidade do autor e foi escrito durante a frequência do 3º ano do curso de licenciatura em Administração Pública, no Instituto Superior de Relações Internacionais, Maputo.
[2] Segundo Castel-Branco (2005), a Mozal foi concebida como parte da estratégia de expansão energética da ESKOM, por causa da sua intensidade energética, que melhora radicalmente a viabilidade e a rentabilidade do investimento privado no sector energético moçambicano. Assim, a motivação para o estabelecimento da Mozal em Moçambique, particularmente no Sul do país, passa por integrar a energia moçambicana à grelha da ESKOM, um quadro estratégico que combina as capacidades, interesses e estratégias da ESKOM, BHP-Billiton e o sistema financeiro e complexo mineral energético sul-africano.

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