Conceito e
Características Económicas dos Megaprojectos[1]
Megaprojectos são
actividades de investimento e produção com características especiais. Basicamente
são resultantes de investimentos estrangeiros, expressão que traduz a aplicação
de fundos ou capitais estrangeiros em Moçambique.
As
características principais de megaprojectos são dadas por Castel-Branco:
- A sua dimensão é definida pelos montantes de investimento (acima de US$ 500 milhões) e o seu impacto na produção e comércio, é enorme;
- Os megaprojectos são geralmente intensivos em capital e, portanto, não geram emprego directo proporcional ao seu peso no investimento, produção e comércio;
- São geralmente concentrados em torno de actividades mineiras e energéticas – carvão e Moatize, gás de Pande e Temane, areais minerais de Moma e Chibuto, Hidroeléctrica de Cahora Bassa (HCB), e a Mozal (intensiva em energia), são apenas alguns exemplos;
- São estruturantes das dinâmicas fundamentais de acumulação e reprodução económica em Moçambique por causa do seu peso no investimento privado, na produção e no comércio;
- Os megaprojectos são área quase exclusiva de intervenção de grandes empresas multinacionais, por causa dos elevadíssimos custos, das qualificações e especialização requeridas, da magnitude, das condições competitivas e especialização dos mercados fornecedores e consumidores, geralmente dominados por oligopólios e monopólios;
- Os custos de insucesso (ou sunk costs) são altíssimos por causa da dimensão e complexidade destes investimentos. Deste modo, estes empreendimentos são pouco sensíveis a incentivos de curto prazo ou de ocasião, e muito sensíveis às estratégias corporativas globais, dinâmicas dos mercados, condições logísticas e de infra-estruturas, acesso barato e seguro a recursos produtivos e custos do capital.
As Causas
de Investimento em Moçambique
Mohomed coloca a
seguinte questão: “Sabido que África é o menor recipiente de investimento
estrangeiro, como é que Moçambique consegue um pouco do fluxo de IDE que tem
vindo para África? A resposta à esta questão pode ser resumida nos seguintes
pontos:
- devido à estabilidade política e à confiança que os investidores estrangeiros depositam no sistema de governação do País;
- devido à existência do mercado não somente nacional bem como da região (SADC) e mundial (Moçambique é membro da OMC e de outras organizações multilaterais e países com que faz o comércio);
- devido à disponibilidade de recursos quer naturais bem como humanos, para além do factor terra em grande abundância;
- devido à definição clara de políticas macro económicas que proporcionaram, nos últimos anos, um crescimento económico e promissor a dois dígitos como acima referidos.
Afigura-se
importante referir que no caso concreto do Estado Moçambicano, nunca se
confundiu a sua posição de accionista – nas empresas ainda por serem
privatizadas – com o poder político e regulador. Sempre se conseguiu, de forma
inequívoca, separar as funções de produção das de regulação, mesmo quando o
Estado operava como produtor monopolista, i.e., quer como concorrente directo e
indirecto de empresas privadas.
A
Perspectiva Económica dos Megaprojectos
Castel-Branco
(2002) – quando analisa o papel dos megaprojectos – assinala uma perspectiva
dualista em relação ao desenvolvimento: a) vistos como solução para os
problemas de desenvolvimento e vistos como b) a (uma?) causa dos problemas de desenvolvimento.
Vistos como solução
para os problemas de desenvolvimento, os megaprojectos permitem: (i) o acesso ao
capital – via IDE, sem pôr pressões sobre os alvos do programa de estabilidade
macroeconómica de Moçambique; (ii) acesso à tecnologia, capacidade de gestão e
força de trabalho qualificada; (iii) acesso à “boas” práticas de organização da
produção e de gestão competitivas ao nível dos standards internacionais mais
altos; (iv) acesso aos mercados; (v) ligações com a economia nacional; (vi)
imagem (marketing) de Moçambique no
panorama dos fluxos internacionais de capitais.
Vistos como a (uma?) causa dos problemas de desenvolvimento, os megaprojectos são responsáveis,
designadamente: (i) pela falta de ligações com a economia; (ii) por não criarem
emprego em correspondência com a magnitude dos projectos; (iii) por não geram
recursos para a economia (não pagam impostos e os lucros são repatriados); (iv)
pelo pequeno impacto no alívio da pobreza; (v) por motivarem a competição
política e económica com as outras empresas, resultando em desigualdade de
tratamento em prejuízo das empresas nacionais e empresas pequenas e médias;
(vi) por serem concentrados (em sectores e regiões).
O papel dos
Megaprojectos no Desenvolvimento do País
O papel económico
dos megaprojectos/IDE (e de quaisquer outros projectos económicos) depende das
suas ligações com a economia (como é que a economia como um todo retém a riqueza
produzida e a distribui). Sem ligações estabelecidas, a riqueza gerada pertence
aos megaprojectos e não à economia.
As ligações entre megaprojectos
e a economia podem ser de vária ordem: (i) produtivas (input/output, gerando
dinâmicas produtivas novas), (ii) tecnológicas (transferência e absorção de
tecnologias, gerando dinâmicas produtivas novas), (iii) emprego (que resulta em
rendimento, consumo e crescimento), e (iv) pecuniárias (fiscais, poupança,
reservas externas, o que pode resultar em novo investimento e mais consumo,
isto é, em expansão económica).
Estudo de
Caso: Mozal – Determinantes de Investimentos
A implantação da
Mozal em Moçambique teve em consideração (mas sobre esse assunto veja Castel-Branco
e Cavadias):
- O subsídio no custo de energia eléctrica concedido pela ESKOM à Mozal, que permitiu a Mozal reduzir os seus custos de produção e, por outro lado, permitiu expandir a área de operacionalidade da ESKOM[2];
- O esquema de fornecimento de Energia Eléctrica à Mozal: acordo de fornecimento de energia eléctrica a uma taxa abaixo da taxa normal durante 12 anos;
- A disponibilidade de infra-estruturas como o porto da Matola, que é largamente usado pela Mozal na importação de matérias-primas e exportação do seu produto, e ainda, relacionado com este aspecto, está associada a recuperação dos custos incorridos pela empresa na reabilitação e/ou construção de infra-estruturas de domínio público;
- A legislação ambiental, que tornou o país um autêntico paraíso ambiental para o projecto. Além disso, o projecto faz a avaliação do impacto ambiental, a monitoria, o tratamento dos resíduos e a reposição do meio ambiente, consequentemente, não existem grandes constrangimentos e/ou penalizações.
Mozal, breve caracterização
A Mozal é avaliada
em 2.4 mil milhões de dólares onde os principais investidores são o grupo
BHP-Billiton (66%), IDC (20%), a Mitsubishi (12%) e o Estado Moçambicano (2%). A
Mozal produz cerca de 512.000 toneladas/ano de alumínio, cuja matéria-prima
(coque, piche de alcatrão de hulha e alumina) é importada da Austrália, Índia,
Brasil e África do Sul.
Os principais
mercados são a União Europeia e a indústria automobilística asiática. Gerou
cerca de 1,000 postos de trabalho directo (650 nacionais), com a expansão em
2000. Em termos de infraestruturas, foram criadas o porto de Matola (novo
cais), subestações eléctricas, central Telecom, estradas de acesso, estação de
tratamento de esgotos, parques industriais e bairros residenciais.
O papel da
Mozal no desenvolvimento de Moçambique
O ano 2000 marca o
início de uma nova era com a entrada da Mozal. O crescimento real do PIB de
Moçambique atingiu os 7.1% em 2003 e aumentou para 7.8% em 2004 segundo as
estimativas, devido principalmente aos dois megaprojectos financiados por
investidores estrangeiros: o gasoduto da Sasol e a expansão da fundição de
alumínio – Mozal.
Nos últimos cinco
anos, a dimensão do sector manufactureiro em Moçambique evoluiu de maneira
espectacular com a conclusão da Mozal. Com a expansão da capacidade de
instalação para 512 000 toneladas, no final de 2003, a produção aumentou 82% no
primeiro semestre de 2004. O alumínio, per
si representa 50% da produção manufactureira total.
É importante notar
que os gastos do Governo diminuíram em 2004, devido a uma escassez de donativos
vindos do exterior. Segundo as estimativas, a procura externa melhorou em 2004
devido ao rápido crescimento das exportações de alumínio e à diminuição das
importações de bens de equipamento, após a conclusão da Mozal II e do gasoduto
da Sasol.
Os megaprojectos
influem consideravelmente sobre a balança comercial. Em 2003, as exportações de
alumínio – responsáveis por mais de 50% do total das exportações de bens do
país – aumentaram 40%, fazendo com que o valor total das exportações crescesse
para 880 milhões de dólares (contra menos de 700 milhões em 2002).
No caso da Mozal,
existem quatro aspectos a considerar. Por um lado, o seu contributo para exportações
é enorme, e para ganhos líquidos em comércio externo é substancial. Por outro
lado, os produtos são poucos e tão concentrados que a economia Moçambicana
continuará a ser muito vulnerável a pequenas flutuações no mercado mundial para
os produtos primários exportados.
Além disto, as
exportações da Mozal não substituem importações e, num certo sentido, aumentam
a dependência do investimento relativamente às importações. Podemos dizer que o
que importa é o contributo líquido em ganhos comerciais. No entanto, a plena
realização do potencial de desenvolvimento, assim como a cautela contra as
flutuações dos mercados mundiais, chamam a atenção para a importância de um
processo eficiente e selectivo de substituição de importações.
Finalmente, dado o
pacote de incentivos em aplicação, os megaprojectos podem repatriar, se o
quiserem, todos os seus lucros. Se isto acontecer, o impacto na balança de
capitais e estabilidade da moeda pode ser altamente negativo. Portanto, megaprojectos
na sua forma corrente não fornecem uma solução completamente satisfatória para
este problema.
No caso de
Moçambique, o potencial fiscal dos seis megaprojectos mais conhecidos (Mozal,
areias minerais de Moma e Chibuto, gás natural, carvão e HCB), se explorado,
pode duplicar a receita fiscal do Estado, e isto contribuiria para reduzir a
dependência externa, consolidar a soberania política e aumentar a capacidade do
Estado de investir na diversificação da base produtiva e de crescimento, no
fornecimento de serviços públicos fundamentais e no desenvolvimento de um
sistema de protecção, segurança e assistência social.
Portanto, uma
política fiscal racional e responsável perante os megaprojectos pode criar as
condições para gerar várias outras ligações potenciais: aumentar a
disponibilidade de poupança e capacidade de financiar investimento e custos
correntes, diversificar a base produtiva, aumentar as possibilidades de
promover ligações produtivas e tecnológicas a montante e jusante, gerar mais
emprego indirecto em condições dignas e decentes, etc.
Observações
finais
Os megaprojectos
desempenham um papel importante na economia do país, nomeadamente no equilíbrio
da balança de pagamentos. Entretanto alguns críticos consideram que o Estado
deve “desactivar” os benefícios fiscais de que estes projectos gozam, para que
prestem um apoio real à economia. Estima-se que caso os megaprojectos
estivessem sujeitos ao fisco comum, as receitas do Estado cresceriam 60% num
curto espaço de tempo.
É igualmente argumentado
que o contributo que os megaprojectos fazem para dotar as comunidades com
melhores condições de sobrevivência não pode ser subestimado. No entanto, há
alguns aspectos a considerar sobre estes contributos. Primeiro, a experiência
mostra que em muitos casos este esforço local é mais de compensação (por
exemplo, pela deslocação de comunidades para dar lugar ao megaprojecto) do que
de desenvolvimento e é mais útil para reforçar a imagem e a influência da
empresa do que para resolver. Segundo, a maioria das infraestruturas criadas
(escolas, centros de saúde, estradas, bairros residenciais, meios sanitários,
etc.) são entregues ao Estado para utilização social, por serem adequadas à
prestação de serviços públicos. Isto implica que o orçamento corrente do Estado
é posto sob pressão para financiar o professor, o médio, o enfermeiro, os
livros, os medicamentos, a manutenção da estrada. Sem esta intervenção do
Estado, essas infraestruturas não operam. Como os megaprojectos beneficiam de
generosos incentivos fiscais, eles não contribuem como poderiam para o Orçamento
do Estado, de modo que não contribuem para o funcionamento das infraestruturas
criadas. Assim os projectos comunitários dos megaprojectos podem funcionar como
um pau de dois bicos: aparentemente ajudam a comunidade, mas põem pressões
insustentáveis sobre as capacidades financeiras do Estado para manter e
explorar devidamente estas capacidades. Terceiro, há casos em que as dádivas
comunitárias dos megaprojectos são, de
facto, se não de jure, uma
alternativa a pagar impostos e/ou a engajar a comunidade, de facto, na gestão
dos recursos e oportunidades de desenvolvimento locais (Castel-Branco, 2008).
Portanto, a questão
do contributo comunitário dos megaprojectos não deve, de modo algum, afectar a
análise sobre o seu contributo fiscal para o Estado. Embora se reconheça que os
megaprojectos têm colocado “Moçambique no mapa”, o último relatório do FMI
sobre o País coloca uma nota de caução na gestão deste tipo de projectos, para
“evitar corrupção, minimizar distorções comerciais e de mercado e assegurar
benefícios para as gerações futuras” (Savana, 2006).
Em suma, os megaprojectos
trazem benefícios mas as falhas do governo no processo da política fiscal, ao
tentar regular o mercado, acaba em certo momento distorcendo o mesmo, as externalidades
são um mínimo exemplo disto.
Referências
BAfD/OCDE. (2005).
Perspectivas Económicas na África – Moçambique.
Bucuane, Aurélio e Mulder,
Peter. (2007). A avaliação de opções de
um projecto de electricidade sobre megaprojectos em Moçambique. Maputo:
Direcção Nacional de Estudos e Análises Políticas, discussion Paper Nº 37P.
Castel-Branco,
Carlos Nuno e Cavadias, Elton Jorge. (2009). O Papel dos Megaprojectos na Estabilidade da Carteira Fiscal em
Moçambique. Maputo: Autoridade Tributária de Moçambique II Seminário
Nacional sobre Execução da Política Fiscal e Aduaneira.
Castel-Branco,
Carlos Nuno. (2008). Os Megaprojectos em
Moçambique: Que Contributo para a Economia Nacional? Maputo: Fórum da
Sociedade Civil sobre Indústria Extractiva – Museu de História Natural. Apresentado
em 27 e 28 de Novembro.
Castel-Branco,
Carlos Nuno. (2002). Megaprojectos e
Estratégia de Desenvolvimento – Notas para um Debate. Maputo: Instituto de
Estudos Sociais e Económicos (IESE).
Mahomed, Mahomed
Rafique Jusob. Tendências do Investimento
Privado em Moçambique. Maputo.
Savana (17.02.2006).
FMI questiona megaprojectos. Maputo: Savana.
[1] Este artigo foi publicado em
2010 e reflecte o conjunto de informações disponíveis na época. O artigo é de
inteira responsabilidade do autor e foi escrito durante a frequência do 3º ano
do curso de licenciatura em Administração Pública, no Instituto Superior de
Relações Internacionais, Maputo.
[2] Segundo Castel-Branco (2005), a
Mozal foi concebida como parte da estratégia de expansão energética da ESKOM,
por causa da sua intensidade energética, que melhora radicalmente a viabilidade
e a rentabilidade do investimento privado no sector energético moçambicano.
Assim, a motivação para o estabelecimento da Mozal em Moçambique,
particularmente no Sul do país, passa por integrar a energia moçambicana à grelha
da ESKOM, um quadro estratégico que combina as capacidades, interesses e
estratégias da ESKOM, BHP-Billiton e o sistema financeiro e complexo mineral
energético sul-africano.
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