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sexta-feira, 27 de abril de 2012

Globalização como Revolução Tecnológica e Social: As Implicações da Transferência de Tecnologias

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Resumo

Este artigo apresenta, a partir da definição de Higgott e Reich (1998), o conceito de globalização como revolução tecnológica e social e as suas implicações na transferência de tecnologias. Não constitui objecto de discussão o papel da globalização nas sociedades, mas sim até que ponto a transferência de tecnologias, como característica da globalização, dos países desenvolvidos (pd) para os países em via de desenvolvimento (pvd) podem afectar a sociedade? Seria viável pensar numa transferência imediata de toda tecnologia dos pd’s para os pvd’s? E a sociedade, como encara esse fenómeno? Estas são algumas das questões que este artigo pretende responder.

Palavras-chave: globalização, tecnologia, transferência de tecnologia

Introdução 

Vivemos numa era em que o acesso à informação é sensivelmente momentânea e a sua quantia em trânsito nunca foi tão imensa como presentemente. O que acontece do outro lado do mundo entra logo nas nossas casas e influi as nossas vidas. Vivemos num universo instável, de enorme metamorfose política, económica, cultural, cientifica, desportiva e social, com distintos factos até aqui ignorados. Em suma, moramos num mundo em que o espaço e o tempo são cada vez insignificantes.

Ora, Higgott e Reich (1998) definem globalização segundo (4) quatro perspectivas (aliás, assim o faz igualmente Scholte): (a)  globalização como uma época histórica; (b) globalização como uma confluência de fenómenos económicos; (c) globalização como a hegemonia de valores americanos; e (d) globalização como revolução tecnológica e social.

Sabe-se que a globalização como fenómeno à escala mundial teve, na sua origem, dois eventos essenciais: o advento e a rápida propagação das novas tecnologias de informação e, no mundo político, a queda do Muro de Berlim, que acabando com a Guerra Fria e o mundo bipolar (dominado pelos EUA e URSS), remodelou o mundo num espaço único, sem fronteiras físicas, em que o capitalismo se espalhou comandado pelas empresas multinacionais.

O objectivo deste trabalho passa por fazer uma breve análise deste fenómeno a que se chama globalização e seus efeitos com relação à transferência de tecnologias e como a sociedade as interpreta. Numa primeira etapa, apresentam-se as diversas vertentes do fenómeno globalização, num segundo estágio discute-se o conceito de tecnologia e transferência de tecnologias, para depois perceber-se a questão principal do artigo.

Problematização

É quase impossível falar de globalização sem falar de tecnologias ou transferência de tecnologias. Quando Higgott e Reich definem a globalização como sendo “uma revolução tecnológica e social”, eles assumem que não seria possível existir globalização sem tecnologias, o que é evidente. Seria mesmo impossível navegar na internet, aceder à televisão digital ou ainda exportar energia moçambicana para a África do Sul. Ora, o que se impõe, entretanto, é observar para além dos benefícios que a globalização e as tecnologias proporcionam – observar a sociedade, daí perceber como ela vê a absorção de tecnologia além das fronteiras nacionais convencionais, observando as suas implicações.

Globalização – definição 

Higgott e Reich (1998) identificaram em comum quatro definições de globalização de uso dentro da comunidade escolar assim como dentro da comunidade política, vejamos:

(A) Globalização como uma época histórica. Neste contexto, a globalização é um período específico de história – em lugar de um fenómeno sociológico ou teórico. É amplamente datado desde o princípio e o fim da Guerra Fria, e é imortalizado na destruição do Muro de Berlim.

(B) Globalização como uma confluência de fenómenos económicos. Alternativamente, globalização, em lugar de ser visto historicamente, poderia ser caracterizada funcionalmente como um produto intrínseco relacionada com uma série de fenómenos económicos. Estes fenómenos incluem a liberalização e o desregramento de mercados, privatização de activos, redução de funções estatais, difusão da tecnologia, distribuição de produtos além-fronteiras, produção (Investimento Directo Estrangeiro), e a integração de mercados importantes. Em uma formulação restrita, o termo recorre à expansão mundial de vendas, produção e processos industriais de tudo que constituem a divisão internacional de trabalho.

(C) Globalização como a hegemonia de valores americanos. Este conceito deriva do livro de Fukuyama, “The End of History and the Last Man”; a abordagem acentua a difusão e assimilação da cultura ocidental, evidenciando a capacidade tecnológica, financeira e institucional (político e económico, sector público e sector privado) norte-americano.

(D) Globalização como revolução tecnológica e social. Esta visão contradiz directamente a segunda definição de globalização como sendo mas um agrupamento de novas actividades económicas. Esta visão discute a globalização como uma forma nova de actividade na qual há uma troca decisiva do capitalismo industrial para uma concepção pós-industrial de relações económicas. Esta troca é conduzida por uma revolução entre elites técnicos-industriais que vão eventualmente consolidar um único mercado global. É globalmente um processo inclusivo de produção integrada; de mercados especializados mas interdependentes; da privatização de activos do Estado; e do acoplamento de tecnologia por fronteiras nacionais convencionais.

Resumindo, podemos dizer que a definição ‘A’ identifica uma troca nas relações políticas e económicas entre superpotências, por um lado, de capital, e trabalho no outro. Traduz, em essência, um argumento histórico na tradição realista das relações internacionais. A definição ‘B’ representa uma agregação e aceleração de mudanças num conjunto de áreas da vida económica moderna. É uma aproximação da Teoria de Interdependência Liberal moderna, dentro da política económica internacional. A definição ‘C’ reflecte uma convicção no triunfo de uma única ideologia na batalha de ideias dominantes do século XX. Dependendo de uma preferência normativa, pode ser vista em perspectivas Liberais e Marxistas. Por último, a definição ‘D’ sugere que a revolução não só está a acontecer nas relações entre o Estado e a economia, mas também com a sociedade civil.

Por sua vez, Scholte (2002) refere que globalização se refere a um conjunto de factores, que no seu conjunto a definem:

(i) Internacionalização – traduz um crescimento de trocas e interdependência entre os países, isto é, um mundo mais global é um onde mais mensagens, ideias, mercadorias, dinheiro, investimentos e pessoas atravessam as fronteiras nacionais e internacionais.

(ii) Liberalização – traduz um processo de remoção oficial de restrições impostas aos movimentos de recursos entre países para formar uma economia mundial (aberta e transfronteiriça). Nesta compreensão, globalização acontece quando as autoridades administrativas reduzem as medidas reguladoras como entraves ao comércio, limitações de trocas, fiscalização de capital e exigências de visto.

(iii) Universalização – traduz o processo de dispersão de vários objectos e experiências às pessoas de todos os pontos da terra. Neste sentido, entende-se a globalização como “ferramentas globais” e “em todos os lugares”.

(iv) Ocidentalização – a globalização representa um tipo particular de universalização; uma universalização cujos sistemas sociais do modernismo (capitalismo, industrialismo, racionalismo, urbanização) se disseminam em ‘cima de mundo’, arruinando culturas pré-existentes e a autodeterminação local. A globalização entendida deste modo dentro é interpretada frequentemente como colonização e americanização.

Tecnologias

A expressão tecnologia (do grego tekhnología, «tratado sobre uma arte») significa o estudo sistemático dos procedimentos e equipamentos técnicos necessários para a transformação das matérias-primas em produto industrial, ou seja, conjunto dos instrumentos, métodos e processos específicos de qualquer arte, ofício ou técnica (Costa & Melo, 2001).

Segundo Simões (sd, p. 1134), “tecnologia é um conjunto organizado de conhecimentos de natureza científica, técnica ou empírica, necessários à produção, distribuição e utilização de bens e serviços”.

Por seu turno, Robbin (2000) considera que o termo tecnologia diz respeito ao modo como uma organização transforma seus insumos em produtos (inputs em outputs), daí que, toda organização tem no mínimo uma tecnologia para transformar recursos financeiros, humanos e físicos em produtos ou serviços. 

Para Berniker (1987) citado por Rascão (2001), a tecnologia, no sentido geral, representa todo o conhecimento que pode ser estudado, codificado e ensinado aos outros. Deste modo, a tecnologia serve de suporte ao desenvolvimento e funcionamento dos sistemas técnicos constituídos por máquinas, equipamentos e métodos.

Segundo esse autor, na linguagem corrente, a noção de tecnologia está normalmente associada a um equipamento que, por via da acção mecânica ou electrónica, permite transformar algo ou executar determinada tarefa. Vemos deste modo, que mais do que nunca, a tecnologia está ligada à informática, à linguagem digital, aos computadores, aos robots e aos sistemas de comunicação.

Goodman et al., (1990) citado por Rascão (ibid.) considera que o sistema tecnológico é composto por quatro componentes: (i) o equipamento, (ii) o objecto de transformação, (iii) o ambiente onde está instalado, e (vi) as normas e procedimentos utilizados no processo (sic). O conceito apresentado resume a visão integradora da tecnologia, onde os equipamentos são simples instrumentos de um processo mais global que, por um lado condiciona, e por outro depende do ambiente envolvente e das normas por ele geradas. Portanto, em sentido restrito, a tecnologia concentra-se nos mecanismos de transformação usados em processos produtivos, enquanto elementos facilitadores da acção humana.

Transferência de tecnologias

Entende-se por transferência de tecnologias ao processo através do qual conhecimentos e informações de natureza tecnológica gerados e/ou utilizados num determinado tipo de actividade ou local são aplicados num contexto diferente. 

A transferência de tecnologias, quanto ao âmbito geográfico, pode ser de nível intranacional  (também designada por difusão interna de tecnologia), quando tem lugar no interior de um país, ou internacional, se o movimento se efectuar transfronteiras. Esta é, obviamente, a acepção mais frequentemente usada em Moçambique, onde a introdução e utilização de novas tecnologias está largamente dependente da sua importação.

Classificação das tecnologias

Existe uma multiplicidade de tentativas de classificação das tecnologias, todas elas insuficientes para uma caracterização efectiva e completa, e consequentemente sujeitas à crítica.

Simões (sd, p. 1134) apresenta uma nomenclatura mais comum. Assim, as tecnologias podem ser divididas em três grandes grupos:
  • Quanto ao suporte material: (i) tecnologia livre – designando os conhecimentos intangíveis, formalizados ou não, mas não substanciados em produtos; (ii) tecnologia incorporada – vertida nos equipamentos, maquinaria e instrumentos utilizados em determinados processos de produção ou distribuição;
  •  Quanto aos efeitos organizacionais: (i) tecnologias conservadoras – quando não entram em ruptura com as organizações que as geraram e/ou desenvolveram; (ii) tecnologias radicais – no caso de darem origem a transformações profundas nas organizações onde se desenvolveram ou exigirem mesmo novas organizações;
  • Quanto ao impacto sobre o ambiente: (i) tecnologias limpas – sem efeitos poluentes e; (ii) tecnologias sujas – as que conduzem a uma degradação ambiental de efeitos mais ou menos graves.
Globalização, transferência de tecnologias e a sociedade

Assim como a globalização, o progresso tecnológico não se processa no vazio, mas no seio de uma sociedade concreta com determinados padrões culturais e de valores. A tecnologia é influenciada pelas condições culturais e educacionais e por pressões de natureza social e económica. Nestas condições se afirma frequentemente que “a promoção de uma cultura técnica constitui um factor fundamental para o desenvolvimento tecnológico nos países menos industrializados” (Simões, sd, p. 1134). Mas por outro lado, as tecnologias, e as técnicas utilizadas, têm repercussões sociais evidentes:
  • Uma reacção contra as máquinas (automatização e robótica) com o pretexto de diminuição de possibilidades de emprego; 
  • As populações estão cada vez mais cientes dos riscos que certas tecnologias, particularmente a nuclear, acarretam para o harmonia ambiental e para a própria vida humana – daí que requerem uma participação mais activa na tomada de certas decisões no campo de acção da política industrial e tecnológica;
  • Insurgentes protestos de natureza ética – receios de um controle informático sobre as vidas dos cidadãos ou possíveis sequelas da manipulação genética (veja-se por exemplo, o recente caso da iminente explosão nuclear das centrais térmicas do Japão [Yikoshima]).
Por outro lado, a transferência de tecnologias, grandemente influenciada pelos avanços nos sistemas de comunicação, expansão das empresas transnacionais e mundialização das relações económicas, gera algumas correntes de opiniões e críticas, tanto nos países desenvolvidos (pd’s) como nos países em via de desenvolvimento (pvd’s).

Nos primeiros, considera-se que a exportação de tecnologia conduz a uma erosão do avanço tecnológico detido, cria novos concorrentes, reduz as exportações de bens e emprego e pode mesmo ter efeitos negativos nos planos militar e estratégico.

Nos pvd’s, as críticas fazem menção aos alegados efeitos sociais e económicos. No panorama social, apontam-se as distorções que origina nos comportamentos sociais, a introdução de hábitos de consumo não adequados e a diminuição das oportunidades de emprego. No panorama económico, os discursos mais populares defendem que as tecnologias importadas são mais intensivas em capital e consequentemente inapropriadas para países onde há escassez de capital e abundância de trabalho; que raramente há efectiva transferência de tecnologia, na medida em que ela não é assimilada pelos técnicos locais; que o custo é demasiado elevado, devido à situação de monopólio ou oligopólio de que gozam os vendedores; que as empresas multinacionais introduzem, por vezes, novas tecnologias para eliminarem os seus concorrentes nacionais e obterem altas margens de lucro (Simões, ibid.).

Como se pode ver, a solução dos problemas originados pela transferência de tecnologias passa pela promoção dos fluxos tecnológicos em concomitância com o desenvolvimento da infra-estrutura científica e tecnológica nacional. É importante que se criem condições para aproveitar e adaptar a tecnologia importada, usando-a como forma de suprir as carências e de se estimular o desenvolvimento da capacidade tecnológica local.

Notas finais

A globalização não poderia existir sem a disseminação das tecnologias. Mais do que um item na agenda da globalização, a difusão de tecnologias é a própria globalização económica. Entretanto, são diversas as críticas que se podem apontar quando se fala da transferência de tecnologias pelo mundo, críticas essas que diferem tanto nos pd’s como nos pvd’s. Essas críticas, sobre questões da sociedade (afinal, a globalização e o desenvolvimento são fenómenos primeiramente sociais) podem ser negativas ou positivas. Talvez por serem países capitalistas, as elites dos países desenvolvidos defendam a concentração das tecnologias, contudo, as populações estão cada vez mais contra as tecnologias que poluem ou destroem o ambiente, assim como contra aquelas que ferem a dignidade humana. Nos pvd’s, as críticas conduzem-se pelo lado mais ingénuo, acusando as tecnologias pelo escasso emprego e desvirtualização da sociedade. A transferência de tecnologias para os pvd’s acarreta elevados custos, dinheiro que muitas vezes esses países não possuem que, aliás, pedem emprestado aos países capitalistas para comprarem as suas próprias tecnologias que, consequentemente, pouco ou algumas vezes, de nada os servirá, principalmente devido a inexistência de executantes especializados ou ignorância propositada contra tais tecnologias.

Lista de referências

Scholte, Jan Aart (2002). What Is Globalization? The Definitional Issue – Again.  Centre for the Study of Globalization and Regionalization (CSGR), Working Paper Nº. 109/02. University of Warwick, United Kingdom.

Higgott, Richard & Reich, Simon (1998). Globalization and Sites of Conflict: Towards Definition and Taxonomy. Centre for the Study of Globalization and Regionalization (CSGR), Working Paper Nº. 01/98. University of Warwick, United Kingdom.

Simões, Vítor Corado. (sd)  Tecnologias, In: Polis – Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, Vol. III. Editorial Verbo: Lisboa/SP.

Costa, J. Almeida & Melo, A. (2001). Dicionário Electrónico de Língua Portuguesa. Porto: Porto Editora, Priberam Informática, Lda.

Rascão, J. (2001). Sistemas para as Organizações – A Informação Chave para a Tomada de Decisão. Editora Silabo: Lisboa.

Robbin, Stephen P. (2000). Administração, mudanças e perspectivas. Ed. Saraiva: SP.

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